guilherme d´oliveira martins diz que os riscos dos contratos de parcerias público-privadas (ppp) ou concessões devem ser partilhados entre público e privado. defende que não se deve «diabolizar» estes compromissos, mas sim assegurar que os contratos explicitem os compromissos futuros e encargos para os cidadãos.
quais os objectivos para o mandato da presidência portuguesa da eurosai, que reúne os tribunais de contas europeus?
o reforço da independência dos tribunais, o fortalecimento de poderes dissuasórios – nomeadamente sancionatórios, que permitam que haja consequências relativamente às principais decisões dos tribunais – e, por fim, melhorar os instrumentos técnicos adoptados internacionalmente nestas matérias. a eurosai tem um plano estratégico de seis anos: os primeiros três serão da nossa responsabilidade e a segunda fase da presidência será holandesa. a liderança da eurosai é assumida não por uma lógica rotativa, mas pelo papel desempenhado, e houve o reconhecimento unânime de que as alterações legislativas feitas em portugal em 2006 – com o reforço dos poderes do tc, que passou a ter uma jurisdição completa, podendo aplicar sanções à administração pública e aos gestores públicos – foram importantes para nos dar a presidência.
a eurosai diz que a prestação de contas é a ‘pedra angular’ da gestão pública. este é um conceito interiorizado pelas empresas e instituições públicas?
é indispensável para a credibilidade das instituições que haja regras claras. normalmente, o que se passa é que a informação disponível não respeita integralmente as preocupações de rigor e transparência. vou colocar como prioridade para o nosso mandato a concretização do plano oficial de contabilidade pública em 2011. as regras, definidas há mais de dez anos entre os tribunais, apontam para a necessidade de haver contabilidade de caixa e, sobretudo, de compromissos. o tc vai ser extraordinariamente rigoroso e aplicará sanções, se for caso disso, para garantir que os serviços adoptem o plano. é preciso saber não só o que se gasta, mas os compromissos assumidos segundo a lei.
quais as competências do tc no plano de resgate a portugal?
o reconhecimento, pela troika, do papel do tc é especialmente importante e uma grande responsabilidade. há duas referências ao tc no memorando assinado com a troika [concorrência e contratos públicos], mas a nossa área de actuação é muito mais abrangente. se pensarmos só nos contratos públicos, temos um instrumento fundamental, que envolve o controlo do dinheiro público e abrange as administrações central, local e regional. simultaneamente, no sector empresarial, todo o dinheiro proveniente dos orçamentos e contribuintes é sujeito a escrutínio. sempre que uma entidade estiver no perímetro do orçamento do estado, está sujeita ao visto e ao controlo prévio
terá poder sancionatório sobre derrapagens financeiras nos contratos?
sim, através da fiscalização concomitante. o visto do tc desapareceu dos contratos adicionais, porque não pode ser um factor de entrave ao funcionamento da economia, nem um instrumento formal. o risco de derrapagem existe, sobretudo, porque o concurso não está, à partida, bem concebido. não são muitas vezes os contratos adicionais que levam a mais encargos, mas os prazos que se estendem ou o caderno de encargos que não está correctamente formulado.
e sobre as ppp?
não devemos diabolizá-las, ou outros instrumentos, quaisquer que sejam. temos é de garantir que os riscos são partilhados entre a entidade pública e a privada. o tc tem alertado que as parcerias ou concessões se façam com três condições: saber quais os compromissos assumidos para o futuro, saber o que deles resulta para o contribuinte e, por fim, definir com clareza quais as responsabilidades face aos riscos de cada interveniente no contrato. torna-se indispensável saber também quais são os comparadores públicos. não pode haver uma decisão de parceria se não houver um comparador que mostre que ela é a forma mais económica.
o tc tem capacidades para responsabilizar o poder político?
sim, se este se tornar exactor orçamental. por exemplo, se um secretário-geral de um ministério propõe uma medida a um membro do governo e este seguir a proposta, a responsabilidade é do primeiro. mas se o político não seguir a proposta, torna-se o exactor orçamental. o tc pode julgar titulares de cargos políticos, desde que não sigam as propostas das respectivas agências.
é preciso distinguir entre responsabilidade política e financeira. a política é dada pelo parlamento. mas, se há responsabilidade financeira, o julgamento caberá ao tc.
há sobreposição de funções entre o novo conselho de finanças públicas e a unidade técnica de apoio orçamental [do parlamento]?
não. o conselho pode ser um instrumento importante para que o toque da campainha se faça. depois, há o parlamento, através da utao, que deve existir sobretudo para apurar as consequências financeiras das decisões. ou seja, há a esfera de controlo interno – parlamentar – e a do tc como poder autónomo dotado de funções de soberania.
ajuda externa
portugal tem capacidade para cumprir os prazos exigidos pelo plano da troika?
os prazos são exigentes, mas adequados e não devemos pensar que mais adiante serão flexibilizados. só serão mais flexíveis se houver um cumprimento muito rigoroso e se superamos as metas. portugal tem de fazer como um bom desportista: cada objectivo tem de ser alcançado na altura própria. não devemos correr a primeira volta dos três mil metros de forma que comprometa a recta final. uma maioria parlamentar e estabilidade política são elementos fundamentais e têm de ser aproveitados. portugal não pode nem tem tempo a perder. temos de arregaçar as mangas e dizer: ‘é para fazer, é para cumprir’.
concorda com a intenção de passos coelho de ir mais além das metas do plano?
o melhor sinal é cumprir os prazos que existem.
as reformas do código civil, lei das insolvências ou lei da concorrência são oportunidades para termos leis mais simples e claras?
certamente que sim. vai ser necessário um esforço enorme, porque a tentação dos países latinos é sempre regulamentar tudo. insisto que precisamos de ter leis simples e claras para os cidadãos, o que vai obrigar a um esforço redobrado.
a troika refere também a necessidade de maior independência dos reguladores em portugal…
foi um ponto bastante discutido no congresso da eurosai e concluiu-se que, no âmbito das suas competências como órgãos superiores de controlo das finanças públicas, os tribunais de contas devem acompanhar a acção dos reguladores de modo a que os recursos que são afectos a essa função sejam o mais eficientemente utilizados, a independência salvaguardada e o interesse público garantido. os tribunais devem assim constituir-se como factores de aperfeiçoamento da actividade de regulação. a crise financeira obrigou a que não seja o mercado ou a lógica de mercado a funcionarem na regulação. todas as referências que o tc fez em relação à necessidade de reforço da independência das entidades reguladoras tiveram a concordância destas.