Diferido

Tendo a televisão tomado de assalto a nossa vida é natural que entre igualmente, sem pedir licença, para dentro dos próprios programas. Não tanto enquanto espaço ficcional, como em Rockefeller 30, mas na condição de elemento indispensável da vida das personagens.

há uns bons anos, era em quem sai aos seus que tomávamos contacto com conceitos estranhos como reposições. na altura, víamos quando a televisão nos dava, ou não víamos de todo. havia sempre os vídeos, é verdade, mas os horários previstos eram um pormenor.

passados alguns anos, jerry seinfeld e companhia falavam-nos do tivo, sistema de gravação em dvd-r semelhante ao que só recentemente chegou a portugal sob a forma de boxes. é ao tivo, de resto, que ted e marshall, duas das personagens da série foi assim que aconteceu, dedicam uma oração em dia de superbowl (final do campeonato de futebol americano) para que não lhes falhasse na missão de gravar o jogo enquanto eles tinham primeiro de assistir a um funeral. vários motivos adiam o momento sagrado, de maneira que ted passa o resto do episódio a evitar qualquer contacto humano – palas nos olhos, tampões nos ouvidos – para chegar a casa e artificialmente encenar o jogo no presente.

descontando o exagero humorístico, são estratagemas a que muitos de nós recorremos quando queremos assistir a um programa em diferido mas sem dispensar a total disponibilidade emocional para o mesmo. mas até nos directos é preciso assumir algumas cautelas: quando se tem uma ligação por satélite mais lenta do que qualquer antena de supermercado, o futebol não é grande ideia. aí, o melhor é desligar o televisor e juntarmo-nos a desconhecidos num café – os mesmos que gritariam ‘golo’ segundos antes de o celebrarmos confortavelmente em casa.