sintonia
cavaco silva e pedro passos coelho foram eleitos pela mesma maioria política: psd/cds. e, muito importante, foram ambos eleitos há muito pouco tempo.
essa convergência entre a maioria que elegeu o actual presidente da república e a maioria que permitiu a formação do actual governo reveste-se, sem dúvida, de inequívoco significado.
quando se diz que é a primeira vez que existe essa homogeneidade política entre maioria parlamentar, governo e presidente, não é verdade.
aconteceu com josé sócrates e jorge sampaio entre 2005 e o início de 2006. só que o presidente já estava em final de mandato, pelo que a realidade política era completamente diferente.
houve, também, guterres com sampaio – e aí estavam os dois recém-eleitos. só que guterres nunca teve maioria absoluta. havia, portanto, presidente, havia governo, mas faltou a maioria.
desta vez, tudo é diferente. e, até ver, estão a assumir essa realidade e essa identidade. agora, com a coexistência deste presidente e deste governo, é que se pode falar em cooperação estratégica activa.
com efeito, não é nada despiciendo ou irrelevante que cavaco silva já tenha recebido vários ministros para reuniões de trabalho. que se saiba, recebeu com essa finalidade, pelo menos, o ministro dos negócios estrangeiros e o da economia.
com o governo anterior, cavaco silva também reuniu a sós com o ministro das finanças, mas nessa altura as negociações com bruxelas ou com a troika justificaram essa situação excepcional
harmonia
a caminho de um autêntico semipresidencialismo?
as únicas situações de encontros a sós de ministros com o presidente da república são, tradicionalmente, as do ministro dos negócios estrangeiros para a recepção ao corpo diplomático ou para entrega de credenciais de um novo embaixador. ou então para os indultos de natal, com o ministro da justiça.
desta vez, nada disso. encontros de trabalho com os titulares dos negócios estrangeiros e da defesa – especialmente este –, nos termos constitucionais, seria mais compreensível. até com o das finanças, que neste governo é ministro de estado e das finanças, e número 2 do governo (como aconteceu com manuela ferreira leite no governo durão barroso). mas com o da economia? mesmo tendo o trabalho e as obras públicas e os transportes?
que me lembre, no meu governo, para além do ministro da justiça com os indultos, só foi a belém o ministro das finanças, bagão félix. e foi comigo.
pode alegar-se que esta opção de pedro passos coelho revela descontracção e confiança em si mesmo. talvez! mas o que significa, de certeza, é um passo num caminho que até hoje não foi percorrido.
lembro que a grande diferença – na letra – entre o sistema semipresidencial francês e o português é a seguinte: em frança, o presidente da república preside ao conselho de ministros, enquanto em portugal isso só pode acontecer se o primeiro-ministro o solicitar. o que, na verdade, nunca acontece. essa diferença formal acarreta a diferença substancial de se saber quem governa, quem detém o poder executivo.
pedro passos coelho estará a abrir precedentes institucionais? é cedo para o afirmar. mas os factos referidos não são indiferentes. nestes níveis dos sistemas políticos, os juízos, as avaliações, os critérios seguidos para os comportamentos a adoptar são diferentes de todas as outras situações. tem de se ser muito frio. a generosidade e a condescendência são, normalmente, tidas como fraqueza.
sem dúvida que presidente e governo precisam um do outro. o governo, por definição, quer ter bons resultados da sua acção, e o presidente, já em segundo mandato, quererá tudo menos terminar a sua magistratura ficando associado a um período tão negro da vida económica e social de portugal. tudo isto, como é evidente, no quadro da preocupação primeira de ambos, que é a do país e o seu futuro.
sabedoria
a divisão da zona euro é inevitável
houve outro domínio, muito recente, de convergência entre cavaco silva e passos coelho. refiro-me à defesa feita por ambos da conveniência de uma desvalorização do euro.
como bem sabemos, em portugal é rara esta similitude de posições entre os titulares dos cargos ocupados pelas duas referidas pessoas. mas seria muito bom que fosse uma constante.
quanto à matéria em si, estou de acordo com essa posição. mesmo não tendo sido a intenção de quem a exprimiu, estou convencido de que se tratou de um contributo importante para um regime de duas velocidades no euro. ou seja, uma zona de euro-1, ou a, e outra de euro-2, ou b.
sei que é quase uma heresia escrever isto. mas estou profundamente convencido de que é inevitável.
escrevo este texto antes da reunião extraordinária do conselho europeu. para além da decisão sobre a grécia (e do que com ela estiver relacionado), não se prevê qualquer outro resultado muito significativo. mas o mundo continua todo à espera da reforma mundial que se impõe, pelo menos, desde setembro de 2008.
antes dessa época, ninguém acreditava na crise, ninguém queria admitir que a falência pudesse atingir as entidades que foram mais atingidas; depois, foram as crises das dívidas dos países periféricos; a seguir, veio a desilusão das agências de rating para aqueles que não as criticavam…
um dia destes, a zona euro clarificar-se-á. esperemos que de forma pacífica.
nestas circunstâncias, presidente e governo vão mesmo ter de trabalhar em conjunto. por ironia do destino, uma maioria, um governo, um presidente aconteceu sem que ninguém falasse nisso. e essa fórmula vai ser posta à prova no meio da maior crise desde há muitas décadas.
semipresidencialismo… zona euro… união europeia… como estarão daqui a uns tempos? ruptura? convergência?
o essencial é sabedoria.