Biografias para as férias

Quando fui para a tropa, para Angola, levei um grande baú de livros, incluindo uns clássicos que queria ler nos dois anos de comissão – de ‘A Decadência do Ocidente’ à ‘História da Guerra do Peloponeso’. Além de romances e livros ‘técnicos’ – entenda-se – sobre guerra subversiva. Fiquei só meses, não li dessa vez…

nos anos de férias algarvias mantive o hábito da selecção das leituras, ritual que assegurava a logística espiritual. em excesso, mais olhos que barriga.

dizem-me elementos tecnologicamente mais avançados da família que se pode agora resolver esse problema do peso da leitura com o ipad. à cautela seleccionei algumas biografias em papel convencional. são uma leitura para ‘limbos’, tempos de espera, tempos entre tempos.

uma é ‘pierre drieu la rochelle’, de jacques cantier (1). li outras biografias de drieu – de fredéric grover, de pierre andreu, de dominique désanti. e a maior parte da obra novelística e política do mais importante dos ‘escritores malditos’ do século xx. vou olhá-lo por outra janela, noutro meu tempo.

juan march foi um self-made man nascido em maiorca em 1880 e morto num acidente de automóvel em 1962. tornou-se um dos homens mais ricos de espanha e do mundo, e ajudou a financiar o 18 de julho – nomeadamente o voo do ‘dragão rápido’ que levou franco das canárias para marrocos. a sua história é a história da economia espanhola e conta-a mercedes cabrera (2).

outro super-rico, mas da segunda metade do século que acabou, foi anton rupert, um afrikaner de karoo, criador e líder do grupo rembrandt, o rival da anglo american dos oppenheimer.

rupert nasceu em 1916, em graaff-reinet numa família de classe média afrikaner e estudou na universidade de pretória. nos anos trinta, na depressão, fez a sua famosa observação de «que o tabaco e o álcool tinham o maior potencial de crescimento porque (…) durante a depressão dos trinta, as pessoas não fumavam menos, e provavelmente bebiam mais». aplicou-a e lançou-se na indústria das bebidas e do tabaco.

conheci os rupert nos anos 80 e jantei na sua casa fleur du cap. anton era um homem espertíssimo, um homem do mundo, que passou incólume entre regimes e rupturas, do apartheid a mandela. calculo que a biografia de domisse conta como fez (3).

e basta de ricos. gilbert keith chesterton faz parte do núcleo de pensadores e intelectuais católicos ingleses. notável por muitas coisas: pela sua figura poderosa, a sua vastíssima e diversa produção literária, de textos de apologia cristã como ‘ortodoxy’ e ‘the everlasting man’, a estudos sobre s. tomás de aquino e dickens ou às séries do father brown. ian ker publicou agora uma nova biografia dele (4).

outra vida exemplar é a de joão paulo ii, contada por andrea riccardi, que conheci de santo egídio e dos jogos africanos (5). joão paulo ii é importante como o papa que – no tempo de reagan e de thatcher – levou ao fim do comunismo. mas estava longe de ser um entusiasta do capitalismo, sobretudo deste capitalismo desenfreado que agora parece a ponto de cumprir a profecia do seu grande admirador e inimigo – karl marx – dando cabo de si próprio.

joão paulo ii escreveu no testamento:

«não deixo atrás de mim nenhuma propriedade de que seja necessário dispor. quanto às coisas de uso diário que me serviram peço que as distribuam como parecer oportuno. os apontamentos pessoais sejam queimados».

1- jacques cantier, ‘pierre drieu la rochelle’

2- mercedes cabrera, ‘juan march’ (1880-1962), 447 págs.

3- ebbe dommisse, willie esterhuyse, ‘anton rupert’ – a biography, 472 págs.

4- ian ker, ‘g.k. chesterton – a biography’, 688 págs

5- andrea riccardi, ‘joão paulo ii – a biografia’, 605 págs