Júlio Isidro: Cada vez comunico melhor, mas falo menos

Quando entrevistou Dustin Hoffman, foi surpreendido pelo actor quando este decidiu comparar os narizes dos dois. Uma das muitas histórias de uma longa carreira como apresentador.

muitas vezes diz-se – a sério ou no gozo – que quem lançou a carreira de determinado fulano foi o júlio isidro. a brincar ou não, acabou por lançar muita gente…

sim, é verdade que foram muitos. há tempos disse à ana bacalhau que tinha imensa pena de não ter sido eu a lançar os deolinda. ela respondeu que eles também tinham pena [risos].

ainda tem a preocupação de andar com os sentidos alerta para descobrir novos talentos?

absolutamente. esse, para quem trabalha na televisão, é o primeiro de todos os deveres. o que não quer dizer que não haja pessoas que prefiram o prazer de se verem.

tem o prazer de se ver?

nem por isso. vejo os meus programas quase todos, mas vejo-os essencialmente com atenção a duas coisas. primeiro, à performance – já disse à minha mulher para me avisar ao primeiro sinal de aterosclerose. e depois, ao aspecto físico – para ver se não estou completamente repelente [risos]. mas não me vejo para pensar ‘ai que bem que eu estou’. o que não quer dizer que não haja momentos em que pense que estive bem e que fiz exactamente o que devia ter feito. a maior parte dos entrevistadores tem o objectivo de entalar o entrevistado, eu não. mas admito que há um ou dois que gostaria de entalar, mas a esses queria entalar a sério [risos]. e também não gosto de me pôr de joelhos como alguns entrevistadores que há por aí.

sente que se fazem muitos fretes?

meus deus! das duas, uma: ou são fretes ou são bloqueios da cabeça. deixar alguns senhores dizerem coisas sem chamar a atenção para o facto de eles já terem dito o absoluto contrário ou é frete ou é bloqueio.

sente mais isso nas entrevistas políticas?

sim. e depois também há aquelas entrevistas que não servem para nada: ‘o que é que tens andado a fazer? qual é o disco e quais são as datas dos próximos espectáculos?’. isso, no fundo, não é uma entrevista, é um recado publicitário.

concorda com a máxima que diz que um entrevistador deve ser como um árbitro num jogo de futebol e passar despercebido?

julgo que estou talvez na maior forma da minha vida e o meu maior progresso tem sido a capacidade de síntese. cada vez comunico melhor mas falo menos. às vezes basta perguntar só mais uma coisinha para que o jogo continue. noutro dia ouvi um entrevistador que demorou dois ou três minutos a fazer uma pergunta e a resposta do entrevistado foi apenas um ‘não’. isto não faz sentido. o entrevistador deve funcionar como catalisador e não deve obrigar o entrevistado a dar aquilo que ele não quer dar. mas, se a entrevista for bem conduzida, isso pode suceder. já me aconteceu, como entrevistado, estar a gostar tanto de uma entrevista que decido brindar o entrevistador com uma pérola que nunca contei a ninguém. um entrevistador tem de ser um ‘ouvidor’ e deve fazer o seu trabalho de casa. a partir daí uma entrevista é como uma tourada: se o touro sai manso, temos de ajudar; se sai bravo, temos de equilibrar.

gosta de entrevistas agressivas?

depende. acho que há questionários, entrevistas e processos inquisitoriais. há quem faça de uma entrevista um tribunal da inquisição. o problema não é a acutilância das perguntas, é a educação com que são feitas. todas as perguntas se podem fazer, só depende da forma como se fazem. vejam o 60 minutes, da cbs, que é o melhor programa de entrevistas do mundo. as perguntas são violentíssimas, mas são bem feitas. acutilantes, mas sem agressividade excessiva. devemos ser implacáveis no rigor e não na agressividade. às vezes confunde-se as duas coisas.

consegue dizer qual foi o entrevistado mais marcante que teve?

tive uma entrevista com o martin scorsese que me espantou. é um conversador do caneco. e na entrevista com o dustin hoffman a manager estava a fazer sinal por causa do tempo, mas ele quis continuar porque estava a gostar da conversa.

essas entrevistas foram para que programa?

penso que foram para o clips e spots, na rtp. quando damos de frente com figuras como estas, é inegável que há sempre um momento mágico.

recorda alguma história curiosa dessas entrevistas a figuras internacionais?

logo no início da entrevista, quando se sentou à minha frente, o dustin hoffman perguntou-me de onde eu era. disse-lhe que era de portugal. ele contou-me que no dia anterior tinha dado uma entrevista a um jornalista sueco e outra a um brasileiro e perguntou-me como iria ser a nossa. respondi-lhe que não ia ser nem tão fria nem tão quente. ele desatou-se a rir e acrescentou que eu tinha sentido de humor. devolvi-lhe o elogio e referi que tínhamos mais coisas em comum. ele perguntou imediatamente se era o nariz. respondi que sim. então, ele pediu para que abrissem o plano, levantou-se, veio ter comigo e encostou a cara dele à minha. quando voltou a sentar-se disse: ‘agora lá em portugal vão perguntar quem é aquele gajo pequenino com um nariz igual ao teu’ [risos]. a partir daí a entrevista só podia correr bem. com o harrison ford aconteceu o contrário. deu-me uma entrevista horrível, tão horrível que tive de lhe chamar malcriado durante a entrevista.


porquê?


o tipo sentou-se, cumprimentou-me – estava a beber uma chávena de chá – e foi respondendo às perguntas sem nunca olhar para mim. às tantas, baixei-me, para ficar ao nível dos olhos dele, e disse: ‘sabe uma coisa? na minha terra costuma dizer-se que quem bebe chá é uma pessoa bem-educada, por isso não tenho dúvidas de que você é bem-educado’. o gajo percebeu o recado, mas a entrevista foi muito fria e muito desinteressante. voltei a entrevistá-lo passados dois anos e ele lembrava-se da minha cara. provavelmente lembrava-se por causa disso [risos].

jose.fialho@sol.pt