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a par da medicina, também exerce o cargo de presidente da mesa da assembleia geral do sporting. ponderou muito antes de aceitar o convite?
não ponderei nada. o bruno de carvalho entendeu que devia ir apresentar-me a razão da sua candidatura e foi assim que o conheci. foi lá a casa e jantámos. achei que era um jovem com ideias, com talento e com vontade. quando me falou na hipótese da assembleia geral, eu disse-lhe que não tinha vida para isso, mas ele lá me convenceu.
qual foi o jogador que mais o magoou?
aquele pequenino que joga na turquia, cujo nome eu não pronuncio. a esse não posso perdoar.
por que não perdoa a simão sabrosa?
num dia de sporting–benfica, em que o sporting podia ser campeão nacional – a alternativa ao sporting era o boavista –, perguntaram-lhe se ele queria ganhar. claro que ele disse que sim, era o que faltava que dissesse que não. mas não foi só isso. é que a seguir disse que se com a vitória tirasse o título ao sporting é que ficava feliz. isto eu não posso perdoar. esta frase foi trágica. formámo-lo como jogador, mas não lhe formámos o carácter. tudo aquilo que é na vida deve ao sporting e não sobe mostrar gratidão.
e luís figo?
também não entendo por que razão, quando estava no banco do inter, durante um jogo para a liga dos campeões – o resultado para o inter era irrelevante e para o sporting era fundamental –, desatou aos saltos quando o inter marcou. não me caiu bem e por isso não o recebi bem em alvalade. no dia da homenagem que o sporting lhe fez, virei-me de costas e aplaudi o manuel fernandes.
a emoção está presente no futebol. e na medicina? a medicina precisa de emoção?
claro. essa coisa de dizer que o racional é a antítese do emocional é uma estupidez. na medicina precisamos de estar minimamente envolvidos emocionalmente para podermos raciocinar com clareza. não tenho a mínima dúvida disso. no dia em que me for indiferente a morte do um doente tenho de deixar a profissão. claro que não conseguiria operar um filho meu a uma coisa grave, tal como não operei a minha mãe a um tumor do cólon, mas aí são emoções levadas ao extremo.
aprende-se a dar más notícias aos doentes e aos familiares?
não. é algo que faz parte da relação humana que temos com os doentes. às vezes, por muita experiência que tenhamos, é muito complicado. já vivemos aqui situações dramáticas. nesses casos tento sempre ser eu a dar as notícias, mas é muito difícil.
é o pior de tudo?
é. e há casos extremos. há pouco tempo tivemos aqui um doente a quem fizemos um transplante que correu de forma fantástica, mas esse doente, numa madrugada, levantou-se da cama, caiu pelas escadas da porta de incêndio e acabou por falecer. receber a mulher e a filha desse doente na manhã seguinte foi a situação mais difícil da minha vida. as mortes inesperadas são muito complicadas. como é que se explica a uns pais que o filho, que foi operado a uma coisa banalíssima, fez uma embolia e morreu? em cambridge vi morrer um miúdo de 12 anos no pós-operatório de uma apendicite, também com uma embolia. foi um choque enorme. mas os pais, destroçados, perceberam que a culpa não era de ninguém. a nossa actividade tem complicações, por isso é que é preciso o máximo de preparação para conseguir o mínimo de morbilidade e de mortalidade. por isso é que não entendo como é que a vaidade de um cirurgião pode ultrapassar o julgamento da sua capacidade técnica.
teme que a actual crise económica venha a afectar as condições do sns?
temo, até porque faço uma cirurgia muito cara, mas até agora não tive restrições.
os incentivos podem ser suspensos?
podem, mas nesse dia deixa de haver transplantes. se suspenderem os incentivos abandono o sns e vou para a privada. mesmo que eu fosse rico e não abandonasse, como é que os meus colaboradores fariam? tinham de ir à sua vida, não podem estar aqui 50 ou 60 horas por semana e não ser remunerados por isso. estas equipas não podem funcionar sem incentivos.
já contou que o seu pai teve influência na sua escolha de carreira. já os seus filhos não seguiram medicina…
um formou-se em farmácia e o mais velho trabalha em pós-produção de vídeo.
também teve uma filha que morreu.
sobre isso não quero falar. foi uma tragédia enorme que nos aconteceu, a mim e à minha mulher. quando nos conhecemos – este é o meu segundo casamento –, cada um já tinha um filho de relações anteriores. e fomos para cambridge com a verinha. foi ela que desapareceu, há 12 anos. dizia que era a minha filha inglesa porque quando chegámos a cambridge toda a gente pensava que ela também era minha filha. não era minha filha biológica, mas era, de facto, minha filha.
acredita em deus?
acredito. até aos 14 anos fui um católico muito praticante, depois tive uma fase de ateísmo militante e combati a minha fé. mas sim, acredito. e confesso que rezei muito pelo joão na áfrica do sul.
mas quem cura os doentes são os médicos, não é deus…
claro. mas ajuda. não tenho vergonha de dizer que já pedi ajuda para atravessar fases complicadas com alguns doentes – ‘dá-me uma mãozinha. guia-me na minha decisão’. já pedi muitas vezes. e acho que já houve momentos em que fui ajudado por qualquer coisa acima de mim. mas também já me queixei muitas vezes de não ter tido ajuda.
é deus que decide quem morre?
em última análise, para quem tem fé, sim. mas ele também não tem tempo para se preocupar com toda a gente. quando vemos a miséria que há na índia e em áfrica é fácil perceber que a fé possa ser abalada. eu próprio tenho crises. se há alguém que manda nisto por que é que as pessoas partem às vezes demasiado cedo? e como deve calcular irritei-me muito com deus quando tive esse drama pessoal, mas a relação com ele acabou por sair fortalecida. e também posso dizer-lhe que nunca vi a minha tia [maria barroso] tão militante como quando aconteceu o acidente com o joão. ela acredita que houve ajuda divina. e olhe que eu aí também acho que houve alguma intervenção [risos].
jose.fialho@sol.pt