Tânia Ribas de Oliveira: ‘Às vezes, sou a única companhia dos espectadores’

Diz que é um privilégio trabalhar para as donas de casa e os mais velhos: «No day-time, tem-se uma relação de cumplicidade que não existe em mais nenhum horário». Houve até quem já a tivesse beliscado. ‘Você existe mesmo’, reagiu uma espectadora

quando era jornalista, já havia coisas em si que lhe diziam que o seu caminho seria outro?

se seria o entretenimento, não sei. mas nunca imaginei ser uma jornalista de guerra e sabia que gostava mais de temas de sociedade e de fazer fait-divers. porque gostava de jogar com a criatividade da escrita e com a imagem. sem eu saber, se calhar, estava aí uma vertente da tânia não-jornalista, que depois pude soltar quando comecei no entretenimento.

mas as suas peças já eram marcadas por ‘tiques’ do entretenimento?

acho que sim. ainda hoje o miguel barroso [subdirector de informação da rtp] brinca comigo e diz-me: ‘ainda continuas a pôr sites nas tuas reportagens?!’ eu achava que as reportagens deveriam ter todas qualquer coisa minha, então punha sempre um site associado ao assunto de que falava. imagine, se eram pombos, indicava o www.pombonline.com… [risos] achava que isso seria uma marca minha.

nuno santos foi o responsável pela sua passagem para a programação. como é que ele a escolheu?

quando acabei o estágio na rtp, fiquei sem emprego. mas um dia o nuno santos telefonou-me. isto porque a judite sousa e a alberta marques fernandes, que tinham sido minhas orientadoras de estágio, lhe disseram: ‘há uma miúda que vai ter de certeza muito jeito para o entretenimento. experimenta’. e assim foi.

os temas que aborda no portugal no coração, e agora no verão total, são a música, os cozinhados, as paisagens, etc. gostava de ter um programa que fosse um bocadinho mais jornalismo?

sinto-me bem nesta área. mas gostava, isso sim, de voltar a fazer um trabalho extra-estúdio, que não fosse a reportagem clássica – até porque deixei de ter carteira profissional –, mas que fosse algo mais cuidado. a verdade é que não tenho tido tempo, porque há quatro anos que estou todos os dias no ar. e quando chega o verão ainda é pior: é o momento em que as pessoas estão mais descansadas, mas nós não. é uma época muito difícil, em que andamos pelos caminhos de portugal, literalmente, de mala às costas.

o day-time é uma espécie de segunda liga na televisão?

não acho nada. gosto muito de trabalhar para as pessoas que vêem tv durante o dia porque, às vezes, sou a sua única companhia. à noite, e falo também por mim que tenho a televisão ligada, essas pessoas não estão a tomar tanta atenção…

de dia, as pessoas estão mais atentas?

não é estarem mais atentas. é terem uma ligação tão grande com o que estão a ver que nos tratam como se fossemos familiares. já aconteceu ser beliscada por uma pessoa a chorar que me disse: ‘ah! você existe mesmo’. no primeiro ano é estranho ouvirmos isto, no segundo é mais normal, mas há determinadas reacções que as pessoas têm que, nem que andássemos aqui 30 anos, conseguíamos ignorar. estar ao vivo no verão total, por mais cansativo que seja para os apresentadores, é a melhor prenda que podemos dar a quem nos é fiel ao longo do ano. por isso, no day-time tem-se uma relação de cumplicidade que não existe em mais nenhum horário. é óbvio que o prime-time não se chama assim por acaso, mas eu adoro trabalhar para as pessoas durante o dia.

não considera desprestigiante para um profissional trabalhar apenas para as donas de casa e para os mais velhos?

acho o contrário. eu tenho uma ligação muito forte e afectuosa com os meus avós. tenho 35 anos e três avós vivos, o que não é muito normal. e sinto que em cada casa que vê o portugal no coração há um avô sem netos. pensar assim foi uma maneira muito fácil de eu começar a encarar o meu trabalho como uma missão, uma missão humanitária contra a solidão. agora fala-se muito, infelizmente graças a episódios dramáticos de mortes solitárias, mas para mim sempre foi uma maneira de estar muito honrosa. é um privilégio trabalhar para estas pessoas.

fala-se na rtp que a dupla tânia e joão baião é das que funciona melhor. sabe porquê? o que vos distingue dos outros?

não há segredo… agora, o que nos distingue? não sei se nos distingue alguma coisa; o que eu sei é que nós somos muito amigos. o joão faz parte da minha vida todos os dias, mesmo durante um verão inteiro em que não vou estar com ele. continuamos a enviar uma mensagem de manhã quando acordamos e, à noite, antes de dormir. ele faz-me muita falta e eu sei que o contrário também é verdade. sendo uma relação tão pura e tão genuína, não tem por onde falhar. se chegasse o momento em que ela já não fazia sentido, nós éramos os primeiros a admitir. mas eu acho que esse dia nunca vai chegar.

os grandes apresentadores da sua infância já desapareceram do ecrã. teme o tempo em que as luzes se apagarem?

a tristeza e o vazio serão obrigatórios quando as luzes se apagarem. não acredito que alguém que trabalhe nesta profissão e seja todos os dias abordado para receber aplausos silenciosos ou aplausos transformados em abraços diga que não irá sentir falta de tudo isto. como também é mentira dizer que todos os dias estamos prontos e abertos à possibilidade de a luz se apagar. espero é ter uma família grande e sempre esta vontade de fazer mais, de continuar a criar e a comunicar com as pessoas, sem ser apenas pela televisão. isso é um seguro de vida.

os filhos são um tema recorrente nas entrevistas que dá. como é responder a este tipo de perguntas tão íntimas?

o que é que eu hei-de fazer… às vezes nem são perguntas, mas afirmações. já fui capa de uma revista onde se lia que eu estava preparada para ser mãe e que até tinha feito análises. cheguei a receber prendas. aliás, tenho uma casa de bonecas, babetes, babygrows, tudo e mais alguma coisa que as avós – que não são minhas avós de sangue – fizeram para a sua bisneta ou bisneto que aí vinha, e que nunca veio. esse episódio fez-me confusão, mas não me incomoda que perguntem, até porque eu não tenho uma vida que fuja muito à normalidade. namorei durante quatro anos, estou casada há dois, por isso, as pessoas estão habituadas àquela imagem da menina certinha que casou e que agora vai ter um bebé.

imagina-se a ler livros aos seus filhos, como o que acaba de lançar (sara, a menina que gostava da chuva)?

a protagonista do livro foi inspirada na tânia que eu fui em pequena e que lidava muito com a avó, na cozinha. eu quis ir buscar as memórias que as crianças têm dos avós e, a cada linha que escrevia, imaginava-me a contar esta história a muitas crianças. também aos meus filhos.

francisca.seabra@sol.pt