receptividade
uma zona euro a duas velocidades
o povo costuma dizer: ‘pobre de quem deve mil, porque quem deve um milhão safa-se sempre’. assim estamos com a crise das dívidas da união europeia: enquanto eram só países de mais pequena dimensão, estes estavam quase entregues a si próprios; quando as labaredas começaram a chegar a espanha e a itália, aqui d’el rei!, que temos de construir um governo europeu para as finanças dos estados de toda a região.
com efeito, a conversa agora é outra e, por isso mesmo, é maior a receptividade à ideia de que uma cimeira entre sarkozy e angela merkel possa trazer a chave do problema. na prática, é bom notar, nem durão barroso nem van rompuy lá estiveram. nos tempos de hoje, a alemanha e frança são quase suficientes para os cidadãos da união europeia saberem o que podem esperar do futuro.
por sinal, a cimeira sarkozy-merkel aconteceu quando se soube que a economia alemã abrandou muito no segundo trimestre, tendo crescido só 0.1% em relação ao trimestre anterior e numa altura em que os fumos das labaredas começam a atingir território gaulês.
estamos, de facto, a entrar noutra era, em que estará em causa muito do que foi construído até aqui.
muitos acreditam que uma governação financeira centralizada e um orçamento comum evitarão alterações significativas na estrutura e nas regras da zona euro. com franqueza, não acredito. cada vez mais me convenço de que essa nova ordem financeira, a existir, a ser realista, a ser fundamentada, a ser congruente, implicará pelo menos dois níveis, ou duas velocidades, na zona euro.
aqui sim, aplicar-se-á a antiga ideia, nunca assumida na prática, da europa a duas velocidades. em minha opinião, é inevitável para que não aconteça o fim do euro.
personalidade
barroso e van rompuy postos de lado
o tema do papel e do estatuto dos líderes dos órgãos político-governativos da união europeia vai estar também «em cima da mesa». é incontornável. a crise desenvolve-se e, como já referi, de algum modo são postos de lado os presidentes do conselho europeu, da comissão europeia e do parlamento europeu.
do parlamento e respectivos deputados nem se ouve falar e, quanto aos presidentes do conselho e da comissão, estes vão-se esforçando por influir na condução dos acontecimentos, mas sem grandes resultados. enquanto o presidente do parlamento europeu, pura e simplesmente, não aparece, durão barroso evan rompuy aparecem, frequentemente, a dois. pelo menos, assim tem sido nas ocasiões mais importantes e pela simples razão de que não estão bem definidos os papéis que lhes cabem.
aliás, manda a verdade dizer que as declarações de angela merkel e de nicolas sarkozy, no final da reunião que tiveram nesta terça-feira, quer pelo tom quer pelo conteúdo, não são nada agradáveis para durão barroso e para a comissão europeia.
a escolha do político belga para dirigir a nova entidade que acompanhará ou coordenará a evolução das finanças dos países da zona euro é bem a prova do fundamento de notícias recentes sobre divergências e distância dos líderes dos dois países em relação a barroso.
obviamente, nenhum de nós, portugueses, faz esta constatação com gosto. mas a realidade é que, em vez de um presidente da comissão europeia que lidere ou, pelo menos, co-lidere, o processo europeu, temos cada vez mais um presidente posto de lado.
seria difícil ser de outro modo, nas actuais circunstâncias? seria. mas seria igual, se fosse outro o presidente da comissão? não forçosamente.
cada pessoa tem as suas características e o seu perfil pode não ser o mais adequado para todas as circunstâncias históricas. o perfil de um homem de consensos, de um negociador exímio, pode não ser o mais conveniente para quando uma sociedade precisa de rasgar horizontes, de fazer rupturas, de ser criativa e ousada. isso em nada diminui qualquer dos diferentes tipos de personalidade.
portugal, a esse respeito, tem sido um claro exemplo do que refiro, ou seja, que cada época requer, exige, aspira por um determinado perfil, uma personalidade adequada, um estilo próprio, um conjunto de ideias e de propósitos adequados a esse tempo.
a esse propósito, atente-se nas enormes diferenças de maneira de ser entre josé sócrates e pedro passos coelho. como também aconteceu com cavaco silva e antónio guterres, ou mário soares e francisco sá carneiro. é assim, em todo o tempo e em todo o lado. é assim na união europeia de hoje que anseia por liderança.
fragilidade
o papel da diplomacia portuguesa
a frança e a alemanha estão ainda mais livres para este tipo de cimeiras porque berlusconi e a itália estão fragilizados, porque zapatero está de saída e a espanha com problemas. não pertencendo à zona euro, a inglaterra que, por definição, tem sempre uma palavra importante a dizer nas questões europeias, atravessa a situação complexa que se conhece e tem o chefe do governo a enfrentar um súbito e acelerado processo de degradação do seu poder.
ou seja, dos principais estados europeus, para além dos dois que reuniram esta semana, nenhum está em condições de reivindicar um lugar nessa mesa da elite da zona euro. como era diferente a realidade europeia aqui há bem pouco tempo: a espanha a crescer, considerada o ‘novo grande’ do mundo, a querer ser parte das principais cimeiras mundiais (para não falar do caso irlândes).
é neste quadro, totalmente novo, que portugal tem de se mover. a nossa diplomacia, com uma sabedoria acumulada de tantos séculos, já enfrentou outros períodos históricos em que teve de assumir a humildade como arma, equilibrada com a sagacidade que a torna especialmente capaz de aproveitar situações muito complexas.
depois da restauração da independência, em 1640, portugal e o seu rei d. joão iv não conseguiam sequer ter lugar de pleno direito nas conferências internacionais abertas aos estados soberanos – como, por exemplo, na conferência de munster, que levou ao tratado de vestefália, em 1648. tiveram de ser outros estados a representar os nossos interesses e, apesar disso, obtivemos algumas vitórias, nomeadamente em questões tão importante como as de direitos das margens do rio amazonas.
assim vai acontecendo, também, um pouco nos tempos de hoje. de forma talvez mais grave, porque outros vão decidindo o nosso futuro sem qualquer espécie de mandato ou representação.
tudoisto vai ocorrendo num tempo de férias em portugal, com muitos restaurantes cheios, com muitos hotéis sem lugar, com a procura turística a aumentar.
apesar da contracção dos pib, sente-se que há uma economia que quer funcionar, que quer resistir para ultrapassar a crise do sistema financeiro, a instabilidade das bolsas e o imparável pessimismo que varre os mercados.
portugal tem de continuar na linha intransigente de respeitar, na íntegra, os seus compromissos. para que, no dia em que a bonança regresse e/ou sejam definidos os novos quadros de organização da europa, nada, nesse momento, nos possa ser apontado.
foi uma boa primeira notícia, a apreciação positiva feita pela troika ao cumprimento das medidas acordadas por portugal. foi só o começo, mas foi um começo bem importante.