Cinco Sentidos

Os cientistas parecem acreditar que a combinação genética é mais importante do que as hormonas. Ou então não nos andamos a cheirar uns aos outros.

em tripoli

bernard-henri lévy foi um dos líderes dos ‘nouveaux philosophes’, um grupo de intelectuais anti-totalitários de finais de 70. bhl era o alto, giro e o único sem barriga. é filho de um milionário, foi aluno nos melhores colégios e estudou filosofia na école normal supérieure. é cinturão negro de judo. escreveu muitos livros, uns melhores que outros. foi considerado de esquerda pela direita e de direita pela esquerda. é amigo de mitterrand e de sarkozy. é sionista e abraça todas as causas célebres: de sarajevo ao ruanda, de paris a nova iorque. nos negócios também não vai mal. deve ser o único filósofo que qualquer mãe consideraria melhor escolha que um médico para marido de uma filha. aos 63 anos, continua alto, giro e sem barriga. falo dele porque vi as fotografias da visita que fez a tripoli, de apoio aos rebeldes. nada de estranho neste indiana jones da filosofia. o que saltou à vista foi estar impecavelmente vestido com o seu fato preto e camisa branca. gostei de uma imagem em que passeia, elegante e de cabelo ao vento, acompanhado de dois guerreiros líbios, ambos armados até aos dentes. dada a ocasião histórica, talvez não estivesse tão demasiado bem vestido como isso.

monólogos privados

conheço várias pessoas com o hábito individualista de escrever nos livros. sou, eu própria, uma indomável anotadora de margens e fervorosa sublinhadora. por causa das conversas privadas que tenho com os textos, não gosto de emprestar os meus queridos livros a ninguém. compreendam que tenho a minha intimidade espalhada por aquelas páginas, as minhas angústias nas passagens que sublinho a lápis mais carregado, os meus sobressaltos nos pontos de exclamação ao lado de frases. geoff dyer escreve com originalidade no new york times sobre o que fazemos aos livros e não sobre o que eles nos fazem a nós. a conversa sobre os efeitos da leitura é longa, mas poucos falam sobre o dia-a-dia com os livros. foi por causa destas vidas vividas nas páginas que o autor deixou de ser capaz de ler livros em segunda mão. era demasiado intrusivo e até pouco higiénico. tendo em conta o modo como o próprio trata os seus livros, desconfiava do que os outros podiam fazer aos deles. os livros não respondem às nossas perguntas. nós é que respondemos. mas há uma vida num livro lido, sublinhado, atirado para o banco de trás do carro, deixado aberto na cozinha. é a nossa maneira de viver com um morto.

mitos olfactivos

a existência de feromonas humanas é uma discussão sem fim. um artigo na slate ataca a ideia falsa de os sexos se atraírem por causa das substâncias químicas libertadas pelo homem e pela mulher e explica que o mito da sedução amorosa pelo olfacto só interessa à indústria dos perfumes. pensei logo nos anúncios a um desodorizante para homem que leva a superstição ao extremo. até caem anjos femininos do céu, tudo por um rapaz que se borrifa com o produto. segundo randi hutter epstein, nenhum estudo científico provou até hoje que os seres humanos libertam feromonas. a crença na atracção pelo odor tem sido mais forte do que a falta de provas científicas, mas o facto é que nem os resultados de testes bárbaros realizados com macacos foram conclusivos. na década de 80, foram retirados os ovários a um grupo de fêmeas só para que o odor natural não interferisse com o produto a testar. ninguém perguntou se o desejo de saber justificava a experiência horrível. os macacos não ligaram nenhuma às fêmeas com o tal produto espalhado. os cientistas parecem acreditar que a combinação genética é mais importante do que as hormonas. ou então simplesmente não nos andamos a cheirar uns aos outros.

onde estava em 1940?

p. g. wodehouse é reconhecidamente um dos maiores humoristas de língua inglesa. criador do inútil bertie wooster e do seu sábio mordomo, jeeves, o escritor foi acusado de traição por ter realizado cinco programas de rádio para os nazis, transmitidos em inglês, para os americanos, antes de entrarem na guerra. os programas falavam do seu quotidiano de prisioneiro privilegiado. os textos não elogiavam as virtudes do regime. o escritor foi, aliás, ilibado da acusação pelo próprio mi5, mas nunca chegou a ser informado disso em vida. morreu em 1975. robert mccrum, o seu biógrafo, indignado por o nome de wodehouse volta e meia aparecer associado aos nazis, faz uma defesa amargurada no guardian. além de descrever wodehouse como um homem desligado da realidade, formado no seio de uma classe social e de uma geração que perante as piores vicissitudes faziam humor ou tentavam ver o lado positivo do infortúnio, questiona a importância do episódio na vida do escritor. como deve reagir um ser humano quando é confrontado com uma situação terrível da história e não a entende? será que todas as nossas decisões seriam correctas? espero nunca passar por uma situação parecida.

sem título

queixamo-nos muitas vezes da pouca informação nos artigos jornalísticos. a falta acontece umas vezes por preguiça, outras por ignorância. para mim, o caso é mais grave quando vejo um título a prometer uma resposta e o artigo nem sequer contribui para aumentar as interrogações que tinha antes daquela leitura. quem pensar que isto só acontece em portugal, está enganado. li, com avidez, um artigo no washington post cujo chamariz era: ‘como sabem os macacos e as aves que um terramoto está para breve?’. depois de uma descrição chata sobre o comportamento dos macacos no zoo de washington, li outra descrição, já de má vontade, desta vez sobre os flamingos. em seguida, passei a saber que não eram só estes animais que previam o fenómeno assustador. lémures, elefantes, rãs, serpentes e o restante mundo animal têm esta capacidade. todos, menos nós. estava preparada para descobrir o que os animais não humanos têm que nós não temos, quando no fim do artigo leio que a percepção geológica dos bichos continua a ser um mistério para a ciência. então está bem. se fosse de papel, tinha atirado o ecrã pela janela fora. odeio que me frustrem as expectativas.