União Africana e NATO: acertos de contas

Os ‘dias do fim’ da ditadura de Kadhafi (que foi, no PREC, um dos líderes revolucionários admirados e até inspiradores dos cérebros do MFA) deixam algumas lições no ar, apesar do ‘em directo’ de cidades e estradas suburbanas, com os combatentes da liberdade do CNT, banalizar estes dias decisivos e trágicos. (Que seria da queda…

a líbia é um caso de sucesso da chamada ‘intervenção humanitária’: o voto favorável à ‘no-fly zone’ pelo conselho de segurança da onu determinou a acção militar – através de bombardeamentos cirúrgicos, mas também do treino e intervenção no terreno de forças especiais dos países da nato, especialmente francesas e inglesas, decisiva para a vitória dos rebeldes.

só que, do rescaldo dos combates e da actividade político-diplomática, ficou de pé e bem tenso o conflito de competências (e de incompetências) de duas organizações – a união africana e a nato.

no mundo pós-guerra fria, as organizações baseadas nas identidades regionais, culturais ou civilizacionais tendem a substituir as ‘ideológicas’ e querem arbitrar e decidir as questões entre os seus membros. o problema é que nelas está longe de existir a identidade de princípios e, sobretudo, de interesses que justificaria uma acção conjunta nos casos concretos.

a nato, a liga árabe, a união africana reproduzem assim, em relação às crises que vão enfrentando na sua área de competências, as contradições da organização mundial global – as nações unidas.

no caso da líbia, a união africana, de que kadhafi quis ser, em dado momento, o grande mecenas e patrão, tentou várias diligências para uma solução negociada. o presidente jacob zuma da áfrica do sul assumiu esse papel. as suas gestões não foram coroadas de êxito, já que nem os rebeldes aceitaram partilhar o poder com kadhafi – uma solução ‘à zimbabué’ ou ‘à quénia’ – nem kadhafi cessou fogo.

depois, perante os riscos da ‘solução final’ para bengazi, os estados ocidentais – frança, inglaterra, estados unidos, votaram a intervenção humanitária, que russos e chineses não se atreveram a vetar. conseguida a ‘no-fly zone’, a intervenção anglo-francesa reforçada por americanos, italianos e meios de outros países da nato logrou, primeiro, proteger e garantir os rebeldes contra os riscos de aniquilamento. depois, encaminhou-os para a vitória.

a frança já tinha sido decisiva para terminar o conflito da costa do marfim – outra situação que a união africana se mostrou impotente para resolver. a solução veio da força militar francesa estacionada em abidjan, que acabou com a resistência das tropas de laurent gbagbo.

esta política francesa tem encontrado resistências e denúncias. um membro do gabinete sul-africano acusou a frança de querer recolonizar áfrica. à volta da crise da líbia, duzentas personalidades africanas, incluindo o ex-presidente thabo mbeki e vários ex-ministros, intelectuais e académicos sul-africanos, publicaram um manifesto em que qualificam os estados unidos, a grã-bretanha e a frança como ‘rogue states’ e impugnam a legitimidade da intervenção da nato na líbia.

ao mesmo tempo que se observam estas proclamações de princípio, manifestaram-se também as divisões entre os países africanos. além da tunísia, marrocos e egipto, vários estados da áfrica subsaariana já reconheceram o conselho nacional de transição líbio. foi o caso da nigéria e do uganda. na reunião da ua de adis abeba, na semana passada, não houve acordo. esta divisão – semelhante à que se operou historicamente entre os poderes europeus – pode ser vista também como uma evolução para a maturidade política, com cada estado assumindo objectivos e interesses distintos, deixando uma posição de queixosos dos poderes deste mundo, indicativa de alguma imaturidade.