a ficção da realidade
li, com entusiasmo, um artigo na new yorker sobre a operação que resultou na morte de osama bin laden, em maio, no paquistão. o autor, nicholas schmidle, fez uma narração digna de hollywood, descrevendo os pormenores da missão, ao ponto do que o chefe operativo tinha nos bolsos. o artigo faz lembrar um guião de um filme com bruce willis, mas melhor. o momento alto sucede quando um dos seals dispara e mata osama: um tiro no peito e outro na cabeça. imediatamente depois comunica com a base e diz: «por deus e pela pátria». grande final! mais tarde, li que a credibilidade do autor foi posta em causa por muito boa e especializada gente. tudo o que contou foi contestado, desde o conhecimento da operação e de pormenores sobre os participantes na acção, sem ter falado directamente com os seals, à veracidade desta frase final. carol christine fair, professora em georgetown e especialista em antiterrorismo, denuncia a brutalidade da exclamação. é correcto repetir uma frase em que deus é a razão principal para assassinar uma pessoa? a frase foi dita? não estamos a combater extremistas que deturpam a mensagem divina? tem razão. mas que estava bem escrito, lá isso estava.
revisionismos
a conteceu há dez anos e não demorou a ser negado. o ataque às torres gémeas em nova iorque foi perpetrado por terroristas islâmicos da al-qaeda, que se suicidaram em nome de alá. mataram três mil pessoas inocentes. a tentativa de negar o que aconteceu naquele dia terrível, à maneira dos nazis com o holocausto, não se fez esperar. a invenção de teorias diabólicas sobre a autoria dos ataques (que teria tido o envolvimento dos americanos) tem agora como aliado o politicamente correcto. soube por um artigo de isabel gorjão santos, no público, que um livro para crianças sobre o 11 de setembro está a criar polémica porque se limita a contar a verdade sobre o que se passou nesse dia. a frase mais contestada do livro, traduzida no artigo, é a seguinte: «a verdade é que estes ataques terroristas foram feitos por extremistas islâmicos que odeiam a liberdade». dawud walid, director do conselho para as relações islâmico-americanas, condenou o facto de os terroristas e extremistas estarem associados aos muçulmanos. a condenação mostra um desconforto com a verdade, que é bem conhecida. há dez anos, foram os terroristas islâmicos. há cerca de setenta eram nazis, brancos, alemães.
cortar nas gorduras
jamie oliver é conhecido por ser agradável à vista, simpático ao ouvido e por cozinhar pratos atraentes ao paladar e ao olfacto. não sabemos como será ao tacto, mas já é generoso da parte dele que partilhe tanto de si connosco. a sua nova ideia sobre comida e intervenção social está prestes a ser incluída numa conferência sobre novas doenças a realizar a 20 de setembro, em nova iorque. oliver quer que a obesidade seja debatida e lançou uma petição no seu site, que até há dias contava com 800 mil assinaturas. o objectivo é chegar ao milhão. não estou bem certa do que pretende jamie oliver com o seu plano bondoso. é provável que queira erradicar a «epidemia da obesidade» do mundo, nem que para isso tenha de arranjar um novo direito humano – o direito a ser magro. a obesidade é um problema grave de saúde e de educação. porque será que todos querem comer a mesma porcaria? o que para mim é um mistério é respondido com razões económicas. a fast food é barata e a vida está cara. mas os custos com a saúde são brutais. jamie oliver vai ter sorte. mas só por causa do dinheiro que custa às seguradoras ou ao estado tratar as doenças relacionadas com hábitos de comer assim.
os filhos de suas mães
numa entrevista publicada na edição de setembro da vogue, christine lagarde, actual presidente do fmi, repetiu uma ideia antiga sobre a educação dos rapazes. diz lagarde que «os homens são os filhos das suas mães», por isso «mais mães devem educar os filhos a respeitar as mulheres e a gostar delas». falando de como educou os seus dois rapazes, lagarde explicou que os ensinou a ser autónomos e a não contar com nenhuma mulher para lhes fazer a cama ou o jantar. christine lagarde, a mais feminina e elegante do quarteto das mulheres mais poderosas no mundo (merkel, clinton e roussef são as restantes), não cultivou nos filhos o espírito de dependência tão apreciado pelos povos do sul da europa. é provável que os songamongas neste mundo tenham sido educados por mães que os protegeram das agruras do trabalho doméstico. mas nenhum adulto é apenas o fruto do que lhe foi ensinado em pequenino. se assim fosse, não havia fracassos, nem problemas. nem pessoas; só fórmulas exactas. imagino que estes dois rapazes são chiques e úteis como a mãe. na verdade, a presidente do fmi defendeu na vogue que a culpa é das mulheres. e, neste caso, tem uma certa razão.
o fotógrafo
t homas hoepker tirou uma fotografia no dia 11 de setembro de 2001. nela podemos ver um grupo de cinco pessoas sentadas num paredão em brooklyn, com as nuvens de fumo das torres gémeas do lado oposto. há dez anos, naquele dia comum de sol e céu azul, três mil pessoas eram assassinadas em nova iorque. jonathan jones conta no guardian que a fotografia não foi incluída num livro sobre o 11 de setembro porque thomas hoepker não o permitiu. a imagem era incómoda. por que pareciam as cinco pessoas tão descontraídas perante o horror? em 2006, o fotógrafo mostrou a imagem ao mundo. as críticas não se fizeram esperar. ao grupo sentado em brooklyn a olhar para manhattan, bem entendido. segundo frank rich, num artigo no new york times na altura, eram indiferentes ou simplesmente americanos. a análise dura à falta de empatia dos presentes também não se fez esperar e várias pessoas saíram em defesa daqueles que afinal nada podiam fazer. mas ninguém questionou a intenção do próprio thomas hoepker, importante fotógrafo da magnum. talvez jonathan jones tenha razão. a vida é feita de momentos por vezes hediondos. alguns partem. para outros, a vida continua.