Reflexões sobre o 11/9

O século XXI começou no dia 11 de Setembro de 2001 com o ataque suicida da al-Qaeda à América. Na altura a opinião geral foi que se entrara numa era de riscos apocalípticos.

fazia sentido: um grupo fanático, que podia escolher como alvos um número indeterminado de objectivos sensíveis das nossas sociedades, de aviões e aeroportos a portos, comboios e instalações fabris, e utilizar o ciberespaço e dispor de armas biológicas, químicas ou até nucleares, era um perigo iminente.

hoje, constatamos que tal não aconteceu.

por isso é capaz de ser importante perguntarmo-nos porque é que, afinal, as coisas não foram tão catastróficas como pareciam? e depois do 11 de setembro (apesar dos atentados de madrid e de londres e de centenas de outros perpetrados, sobretudo na ásia e nos países muçulmanos) acabámos por ser poupados a esse macroterrorismo que parecia quase fatal em 2002?

a primeira explicação pode estar na ‘politização’ da al-qaeda, no sentido de uma passagem de uma vocação de destruição cega para uma acção norteada pela razão e estratégia de luta pelo poder.

o ataque à américa do modo que aconteceu em 2001, partiu da convicção de que, perante os custos humanos e materiais devastadores, os norte-americanos abandonariam as suas posições no médio oriente, abandonando, também, os governos ‘ímpios’ que sustentavam. a ideia era ditada pelo que acontecera na somália. se perante dezoito marines mortos, o império recuara, o que faria com milhares de civis atingidos em washington e nova iorque?

podia admitir-se a mudança da direcção da al-qaeda, que, depois do insucesso estratégico dos ataques ao coração do inimigo, teria posto de parte as operações de terror ‘cego’ e orientado para acções cirúrgicas com consequência política – como os ataques aos comboios de madrid.

seria uma ‘politização’ não só no sentido ‘schmittiano’, mas no sentido clássico, que transformaria gradualmente os jihadistas fanáticos em jogadores políticos, com um uso racionalizado do terror.

mas a par desta verificação – e da guerra sem quartel movida pela administração bush e seus aliados – o grande insucesso da al-qaeda veio do modo como, nos países islâmicos, especialmente no iraque, os seus homens lidaram com a população e com outros grupos e estruturas políticas e religiosas.

convém lembrar que o maior número de vítimas do terrorismo jihadista não foram cristãos, nem judeus. foram – são – muçulmanos, iraquianos, afegãos, paquistaneses – xiitas e até sunitas que não alinham pelas teorias e práticas, muitas vezes heréticas, segundo a ortodoxia, da al-qaeda. são os decapitados de faluja, são os despedaçados pelas bombas nos santuários xiitas do iraque, são os líderes tribais assassinados.

foi este fanatismo e radicalismo cegos que levou, progressivamente, a uma mudança de percepção da al-qaeda, mudança ajudada pela condenação, por autoridades teológicas. isto fez com que, a maioria dos recrutáveis – profissionais de classe média, com família e responsabilidade – fosse perdendo a visão da al-qaeda como uma força de resistência e ressurgimento do mundo islâmico e passasse a vê-la como um bando de paranóicos ambiciosos e sem limites.

este facto – a mudança de percepção da al-qaeda no mundo islâmico – e o sucesso ali dos movimentos religiosos de inspiração democrática e reformista – como na turquia de erdogan ou a ‘irmandade muçulmana’ de linha reformista no egipto e na tunísia, foi o que impediu o apocalipse.

e também uma acção contra-subversiva, uma guerra que, apesar de perturbar algumas almas sensíveis nas nossas latitudes eliminou vários líderes e teve resultados.

o pior serviço que podemos prestar à luta antiterrorista é identificar o islão e os muçulmanos com esse terrorismo. de que eles são as primeiras vítimas.