Cruzeiro Seixas: ‘Estamos todos desesperados à procura de uma ideia nova’

Da mesma forma como na vida pessoal, Cruzeiro Seixas seguiu na arte o que lhe apareceu de melhor, e até hoje nada superou o Surrealismo. Aos 90 anos conclui: «Estamos todos desesperados à procura de uma ideia nova».

«falta qualquer coisa no mundo» disse o artista plástico e poeta durante uma entrevista à agência lusa no estoril, onde reside há dois anos, num lar. deixou de desenhar e pintar, mas continua a receber muitos convites para expor a vasta obra.

a próxima mostra antológica – com 49 obras de pintura, desenho e escultura – abre a 17 de setembro, em lamego, organizada no âmbito da terceira edição do plast&cine, onde decorrerá uma conferência internacional dedicada ao artista considerado um dos expoentes do surrealismo em portugal.

no amplo quarto de artur cruzeiro seixas, com uma varanda virada para o mar, estão as recordações de uma vida: as paredes cobertas com desenhos e pinturas surrealistas.

há vários cadavre exquis, os emblemáticos desenhos surrealistas criados em conjunto por diversos artistas. um continuava o traço do anterior nunca sabendo o que lá estava, e o resultado era «um cadáver esquisito».

fotografias pessoais, arte africana – viveu 14 anos em angola e nessa altura viajou muito pelas ex-colónias – e muitas dezenas livros sobre surrealismo, movimento artístico surgido no início do século xx e que viria a revolucionar a arte. até hoje, nada apareceu de melhor, considera o artista.

foi com mário cesariny (1923-2006) que descobriu o pensamento surrealista. então deu-se aquilo a que cruzeiro seixas chama «o milagre».

«descobri a minha personalidade. ele abriu-me estas portas. era um poeta a sério, um intelectual, uma pessoa extraordinária e apaixonante», recordou.

o pintor e poeta acredita mesmo que se não fosse cesariny estaria hoje «a trabalhar numa mercearia ou qualquer coisa assim…»

fundador do grupo ‘os surrealistas’ – com mário cesariny, e fernando josé francisco, falecido no início de 2009 – artur cruzeiro seixas expõe desde os anos 1940 e está representado em muitas colecções particulares e museus nacionais, nomeadamente o centro de arte moderna da fundação calouste gulbenkian e no museu nacional de arte contemporânea – museu do chiado.

reuniu muitas obras de vários surrealistas que se encontram hoje no acervo da fundação cupertino de miranda, detentora da maior colecção deste movimento no país.

aos 90 anos, cruzeiro seixas aproveita os dias e as noites para dormir. chama-lhe a sua «fuga», porque já não consegue ler, nem escrever, nem pintar. ouve música clássica na rádio, recebe algumas visitas e gosta de conversar.

mas ainda hoje, como na altura em que criava com os outros artistas plásticos, durante o regime salazarista, considera que o mais importante «é o desejo de liberdade».

«as pessoas andam hoje à procura de uma ideia nova, que não há. o catolicismo, a monarquia, as ideias republicanas serviram a humanidade durante séculos e depois foram sendo cada vez menos políticas e mais filosóficas. este é um momento de viragem», avalia o artista.

atento à actualidade, cruzeiro seixas considera «decepcionante a situação do país». e «a culpa é dos políticos».

«o pior disparate do mundo de hoje, e portugal ressente-se muito disso, é as pessoas pensarem que a vida intelectual, a arte, a cultura, são coisas subsidiárias e devem ficar em segundo plano», criticou.

no quarto virado para o mar, cruzeiro seixas resume uma longa vida: «perfiz uma obra que não é genial. é um depoimento. reuni uma das melhores colecções de arte em portugal. e fiz uns disparates», conclui, sorrindo.