Equinócios e Solstícios

É impressionante como a União Europeia não se consegue antecipar a nada. Tudo o que está a passar-se na Grécia seria muito difícil de prever, nomeadamente desde há algumas semanas?

antecipação

união europeia não consegue prever nada

a reacção só se dá quando surgem os sinais para todos. neste momento, anuncia-se o plano b para o caso de falência da grécia. mas isso acontece quando as consequências nos vários mercados já se fazem sentir de modo significativo.

continuo a pensar que, especialmente nesta situação em que o mundo se encontra, é melhor para os mercados a assumpção da verdade, mesmo que crua, em lugar do disfarce ou do ‘empurrar para diante’, procurando esconder aquilo que se anuncia.

é sempre preferível, mas é ainda mais essencial num quadro como o que atravessamos.

há muito tempo que o cidadão comum admitia a possibilidade deste cenário na grécia.

ora, como entender que as entidades oficiais, que acompanham de perto a evolução da economia grega, não tenham visto o que era evidente?

sinceramente, faz muita confusão esta falta de iniciativa por parte da união europeia, do banco central europeu e do fmi.

em todo o mundo, a vários níveis, aspira-se por liderança. e liderar é também saber antecipar os acontecimentos.

francisco sá carneiro sabia muito bem antecipar os acontecimentos políticos, e cavaco silva os acontecimentos económicos.

como é sabido, ninguém soube antecipar a crise que o mundo vive. joão césar das neves, no seu último livro, as 10 questões da crise, escreve que os economistas não conseguem prever as grandes crises e que só os ignorantes podem criticá-los por isso.

admitamo-lo, com compreensão e generosidade.

mas, neste caso da situação europeia – e, em concreto, da situação na grécia –, já não se trata de adivinhar uma crise mas sim de saber trabalhar sobre os próximos capítulos de uma história que tem muitos outros já decorridos.

percebe-se que não é só a comissão europeia e o seu presidente que estão em causa: a cimeira merkel-sarkozy, a conferência sobre a líbia organizada em paris, são alguns dos sinais repetidos e variados de que o poder das instituições principais da união europeia está, de algum modo, posto em questão.

aliás, foi a própria angela merkel que. há dias. falou no bundestag sobre a provável necessidade de se rever o recentíssimo tratado de lisboa.

e, aqui, está a antecipar. ou seja, está a liderar.

desilusão

que fazer à grécia?

quando alguém, cidadão de portugal e da união europeia, escreve palavras como estas, o objectivo não é dizer mal ou criticar por criticar.

o que pretendo, como pretendemos todos, é criar as condições para sairmos desta tremenda crise em que estamos mergulhados. o que todos queremos é ver van rompoy e durão barroso a liderarem, a tomarem iniciativas, a serem protagonistas no sentido das soluções de que a europa precisa.

tomarem a iniciativa no plano político, nas eventuais reformas institucionais, em hipotéticas alterações dos processos de decisão, nas relações com os sistemas financeiros, na desejável adequação dos estatutos do banco central europeu, numa proposta concreta para os eurobonds… seja o que for!

que tenham a iniciativa de levar por diante aquilo que considerarem adequado para enfrentar a crise. que falem aos europeus, que provoquem um debate no parlamento europeu.

já me custa, neste despretensioso espaço semanal, estar sempre a fazer estas sugestões a quem desempenha funções tão complexas.

é obvio que será muito difícil – mas a sensação das pessoas com quem falo é que desapareceu a liderança na europa. fosse ela qual fosse, muita ou pouca.

volto ao caso da grécia: as notícias apontam para que está a preparar-se o quadro da falência, da bancarrota da economia grega. vão sendo colocadas as hipóteses de saída do euro, de não saída do euro, os dias vão passando, as bolsas vão-se agitando, as pessoas vão-se angustiando.

oposição

passos deve estar satisfeito com a escolha do ps

tendo eu o princípio de que não deve menosprezar-se ninguém, considero um erro subavaliar-se a capacidade do novo secretário-geral do ps, antónio josé seguro.

entusiasmante ou não na oratória, manda a verdade dizer que os tempos não estão para discursos arrebatadores nem para líderes galvanizadores.

antónio josé seguro, ao longo do seu percurso político, tem demonstrado possuir três atributos que considero importantes: é perseverante, procura ser coerente, e é bem educado (o que não deixa de ser muito relevante).

e, antes disso – e ainda mais importante –, é uma pessoa séria.

apreciei bastante a sua ousadia ao estabelecer a liberdade de voto como regra geral do funcionamento para o seu grupo parlamentar. lá está: é coerente com a sua prática anterior de deputado, em que várias vezes votou de modo diferente do que estava decidido pelos órgãos do partido a que pertence.

marcou sempre uma distância de josé sócrates e do seu governo. se bem me lembro, marcou-a mesmo nos tempos de maior euforia colectiva com o anterior primeiro-ministro.

não sei se há razões pessoais nessa distância, mas – mesmo que as houvesse – antónio josé seguro foi sempre mostrando que existiam razões políticas suficientes para manter essa demarcação.

foi ele que teve responsabilidade especial numa importante reforma do parlamento e, concretamente, na introdução dos debates quinzenais.

entendo que pedro passos coelho deve estar contente por ter um líder do maior partido da oposição com manifestas qualidades. sempre entendi que é bom termos adversários de valor e que é mau preferirmos oponentes maus ou medíocres.

antónio josé seguro escolheu, para os primeiros lugares da sua lista para a comissão nacional do ps, dois ministros dos governos de sócrates: alberto martins e vieira da silva.

é obvio que ninguém deve ser proscrito por ter pertencido a um governo anterior. mas a situação que o país vive é, como se sabe, muito especial – e talvez fossem mais aconselháveis outras opções.

sabe-se que os referidos dirigentes sempre foram identificados com uma ala mais à esquerda no próprio ps. mesmo assim, com todo o respeito pelos próprios, causou alguma estranheza.

começa agora uma das mais importantes lideranças da oposição da história da democracia portuguesa. oxalá antónio josé seguro esteja à altura das suas responsabilidades.