depois de uma caminhada pelo parque, tomei o pequeno almoço, enquanto as televisões começavam a dar em directo as celebrações dos dez anos da grande tragédia em nova iorque e em washington d.c.
a ideia central foi uma chamada dos caídos pelos familiares mais próximos ou directos, uma chamada um a um, muito à americana. foram cerca de três mil.
nos quase dois séculos e meio de história independente dos estados unidos houve muita violência, morte, guerra. guerra externa e guerra civil, guerra contra os ingleses e guerra contra os mexicanos, contra os índios e os japoneses, guerras clássicas e guerras subversivas. curiosamente a mais mortífera foi a guerra civil de 1861-1865, com mais de seiscentos mil mortos numa população de cerca de trinta milhões.
os ataques de 11 de setembro, mais mortíferos que pearl harbour, são parte dos custos do império, mesmo do império ‘invisível’ americano, que tem as suas vantagens e as suas servidões, como tem glórias e fardos. muitos dos americanos percebem isto e, por isso, aguentam os custos humanos e financeiros do afeganistão do iraque, da guerra contra o terror. são assim os protagonistas desta celebração, os mais tocados na carne e no espírito pela catástrofe.
fui à missa a greenwich, a st. mary’s: o celebrante comentou na homilia o evangelho do dia, o do perdão das ofensas, referindo os grandes massacres e crimes políticos do século começado pela grande guerra em 1914, para dizer que, por mais que custe, até pelos carrascos devem os cristãos rezar.
não foi bem assim com bin laden, o super-vilão inimigo da américa.
cá fora, na green-wich avenue, a rua principal desta cidadezinha (a meia hora de comboio da central station de nova iorque) as bandeiras estavam a meia haste, mas as ruas tinham a animação dos domingos de verão e as lojas estavam quase todas abertas.
passei o resto do dia em casa vendo, intermitentemente, as imagens da memória do dia fatídico. ao crepúsculo, nesta paisagem de grandes carvalhos, abetos, pinheiros, árvores e arbustos cuja folhagem começa amarelecer no ar tépido, a casa iluminada onde estou lembrava-me aquele quadro único do magritte, o império da luz. vários canais transmitiam agora o concerto para nova iorque, um espectáculo da orquestra filarmónica da cidade, dirigida por alan gilbert, interpretando a segunda sinfonia de mahler, dita da ressurreição.
seria de ressurreição que se tratava? o 11 de setembro, para muitos de nós, fora uma espécie de toque de trombetas apocalíptico, o fim do interregno pós-guerra fria e a entrada numa idade de volatilidade e incerteza, em que tudo, até o fim, podia acontecer. e já não pelo duelo dos grandes poderes de leviathan e beemoth, mas pela vingança desesperada dos novos danados da terra, dos humilhados e ofendidos que viam na américa, não o império da luz mas o grande satã materialista e inimigo de deus.
terão desistido? vão continuar? alguma vez poderemos descansar desta vigilância permanente, deste estado de alerta, perante a multiplicidade dos inimigos e dos pontos sensíveis?
estamos no fim do princípio ou no princípio do fim?