O palco de Almeno

«Acabamos o espectáculo fisicamente muito esgotados. Mas a sensação que temos é que há uma espécie de lavagem da alma. Isso acaba por atenuar o cansaço». O cansaço de que fala Almeno Gonçalves é o resultado do seu duplo trabalho como encenador e actor na peça Os Portas, que estreou dia 22 de Setembro no…

o público está habituado a vê-lo no ecrã e nos palcos, mas almeno gonçalves confessa que a sua decisão de seguir carreira na representação não foi sempre clara. «representei pela primeira vez aos 13 anos. mas nunca tinha pensado ser actor. pensava naquelas coisas normais: médico, etc. fazer do teatro profissão nem se punha. só mais tarde, já com 20 anos, é que decidi que queria fazer carreira no teatro, e então comecei a trabalhar nesse sentido».

para dar asas a esse desejo, almeno fundou três grupos de teatro em braga, de onde é natural. mas os primeiros grandes trabalhos foram em lisboa, no teatro da comuna. aí participou em peças como má sorte ter sido puta, de john ford, e um eléctrico chamado desejo, de tennessee williams. passou depois pelo teatro experimental de cascais, teatro nacional d. maria ii e teatro aberto. trabalhou com luís miguel cintra na cornucópia, onde chegou a interpretar textos de shakespeare.

apesar de ter começado a carreira no teatro, almeno gonçalves gosta de fazer televisão, e não pretende viver só do teatro: «tenho quase 33 anos de carreira e faço televisão com regularidade. não tive preconceito absolutamente nenhum relativamente à televisão. desde que haja essa possibilidade, faço com muito prazer». almeno é uma conhecida cara das telenovelas e séries portuguesas, como os malucos do riso. foi em duarte e companhia, em 1988 e 89, com pequenas participações como guarda-costas, que deu os primeiros passos no pequeno ecrã.

também já passou pelo cinema. trabalhou com leonel vieira no filme zona j (1988), reencontrando-o em a arte de roubar dez anos depois. no primeiro telefilme português, amo-te teresa, que passou em 2000 na sic, desempenhou o papel de padre abílio.

hoje, almeno é sobretudo conhecido por participar nas novelas da tvi, como jardins proibidos e a outra. fez ainda o papel de conde de sabugosa na série equador, adaptada do livro de miguel sousa tavares, em 2008.

 

estudar a noite
perante o desafio de refrescar uma peça que já tinha sido por ele dirigida há sete anos, almeno diz ter constatado que algumas alterações teriam de ser feitas: «temos pessoas conhecidas ligadas à noite que nos abriram as portas para podermos perceber como está a noite neste momento. andamos sempre atrasados relativamente ao estrangeiro. coisas que aconteciam em londres e no resto da europa, só vieram a acontecer mais tarde em portugal». além disso, «a alteração dos actores altera a própria substância do espectáculo e torna-o uma novidade. o pedro teixeira [lançado pela série morangos com açúcar] vai ser uma surpresa muito grande para as pessoas porque ele faz um trabalho completamente diferente daquilo que as pessoas estão habituadas a vê-lo fazer».

enquanto agente cultural, almeno diz perceber os cortes do governo. no entanto, para ele a cultura é uma das áreas que deviam ser menos atingidas: «eu percebo o tamanho da tesoura, os cortes que têm que ser feitos, mas era importante que se desse mais atenção à cultura. não estamos nada longe daquilo que se faz lá fora. tenho muita pena que haja esta visão da cultura como sendo uma coisa quase desnecessária. o françois mitterrand dizia que ‘se não temos recursos naturais, temos de apostar na educação’. e a frança desenvolveu-se a partir daí».

apesar disso, a crise, diz, não afectou o seu trabalho. acredita que «para o público o teatro é um espaço de fuga muito interessante. nós vivemos uma crise muito particular, mas mesmo na ii guerra mundial os teatros estiveram sempre cheios. a crise acaba por nos obrigar a ser mais imaginativos, mais criativos».

neste momento almeno gonçalves dá corpo a um vilão – o cruel daniel monforte – na telenovela da tvi remédio santo. sentiu por isso que já estava a precisar de fazer um papel mais descontraído: «depois de uma comédia, é bom fazer uma coisa mais dramática. neste momento, era importante fazer comédia porque o trabalho que estou a fazer em televisão é muito dramático, e é bom para aliviar um bocadinho essa tensão».

a peça os portas pode ser vista desde ontem no teatro villaret, de quinta a sábado. conta também com actuações de fernando ferrão, antónio melo e do jovem actor pedro teixeira. é um retrato de quatro rapazes, quatro raparigas e quatro porteiros da noite. e ainda há espaço para um dj, um punk e outras figuras que habitam o submundo nocturno. a 31 de outubro a peça deixa lisboa, e vai para o porto, sendo que almeno conta ainda fazer uma tournée por outras cidades do país.

sonia.cecilio@sol.pt