Adelaide de Sousa: ‘Tenho medo da imprensa’

Quando faz uma pergunta gosta de conhecer 70% da resposta. Quando isso não acontece, parte insegura para as entrevistas. Sinceridade e transparência são as chaves para uma boa conversa.

o entre nós, na sic mulher, já leva quase um ano de emissões. tem algum critério para a escolha dos entrevistados?

tenho. faço aqueles que me mandam fazer [risos]. tenho o poder de sugerir alguns nomes, mas o resto são figuras que vão aparecendo e propostas que são feitas à produção do programa. o meu peso na escolha é muito relativo. talvez 20 ou 25% dos convidados tenham partido de sugestões minhas.

mas há um perfil definido?

a ideia é que não exista um perfil tipo. não queremos que sejam só as ditas celebridades. há figuras que não encaixam nesse rótulo de famosos, mas que, de alguma, maneira são eminentes. a linha condutora passa por pessoas de valor que se destacam nas suas áreas.

já teve agradáveis surpresas?

muitas. por várias vezes, já vezes me aconteceu pensar que sabia muito sobre determinada pessoa e acabei por ser surpreendida durante a entrevista. a simone de oliveira – que já deve ter sido entrevistada centenas de vezes – foi um desses casos. é o exemplo de uma entrevista para a qual eu parti sem grandes expectativas em termos de factor surpresa, mas que acabou por trazer novidades. contou muitas coisas que eu desconhecia e que acho que a maior parte das pessoas desconhecia.

quais são os ingredientes fundamentais para uma entrevista resultar?

os principais são sinceridade e transparência.

e como se consegue arrancar ao entrevistado essa sinceridade e essa transparência?

essa é a minha grande luta. principalmente quando são pessoas já muito conhecidas, é difícil desconstruir uma imagem pública que está consolidada. nesses casos a bola está do outro lado. tudo depende da vontade daquela pessoa em revelar outras facetas de si mesma. muitas vezes acontece os convidados sentarem-se à minha frente sem nunca terem visto o programa e depois são surpreendidos pelo tom informal e pelo registo de conversa. o objectivo é procurar encontrar a verdade na conversa. quando isso acontece a entrevista é boa. uma resposta profundamente sincera é o momento alto da entrevista.

procura saber tudo sobre a pessoa que vai entrevistar, ou prefere deixar espaço para ser surpreendida?

acredito que é melhor saber tudo. mas claro que nunca sei e, talvez por isso, as coisas resultam. costumo pensar que quando faço uma pergunta gosto de conhecer 70% da resposta. os outros 30% é aquilo que o entrevistado voluntariamente me oferece. confesso que parto insegura para a entrevista quando tenho pouca informação sobre a pessoa. curiosamente – e isto vai ser contraditório com tudo o que acabei de dizer – essas, às vezes, são as melhores entrevistas. talvez isso se passe, porque, nesses casos, sou honesta com a pessoa que tenho à minha frente e admito que sei pouco sobre ela. talvez receba essa honestidade de volta nas respostas.

vê aquele espaço apenas como entretenimento ou também como jornalismo?

é espaço de entretenimento. não sou jornalista e acho que o jornalismo tem contornos e nuances que o meu trabalho não tem e que eu não domino.

ainda se sente nervosa?

sim. principalmente naqueles minutinhos que antecedem a conversa.

gostaria de estar na sic em vez de estar na sic mulher, ou acha que isso implicaria menos liberdade?

gostava, mas essa é uma boa questão. como nunca estive na sic com a postura com que estou na sic mulher, não sei. não sei se iria perder liberdade. gosto de pensar que não.

sente a pressão das audiências?

sentimos a pressão das audiências no sentido em que nos chateia se o nosso trabalho não for visto. ficamos irritadas – eu e a produtora – quando percebemos que fizemos um bom programa, mas que só foi visto pela nossa família e talvez pela senhora do fim da rua. isso chateia. mas não temos ninguém da sic mulher a fazer essa pressão.

encontra algum padrão entre os convidados que têm mais audiência e entre aqueles que têm menos?

não. parece ser aleatório. há programas que achamos que ninguém vai ver e que depois são dos mais vistos. e às vezes aqueles que parecem mais elitistas são vistos por toda a gente.

gostaria de fazer entrevistas para a rádio ou para a imprensa?

para ser sincera, a imprensa assusta-me. é a palavra escrita. é o preto no branco que as pessoas guardam em casa. a imagem, pelo contrário, é mais fugaz. aconteceu e passou. o que está impresso está impresso. tenho medo da imprensa. e depois é uma área de cariz mais jornalístico do que a televisão. já a rádio deve dar imenso prazer. tenho muita curiosidade, mas costumo ter muita relutância em fazer coisas que nunca fiz. se surgisse esse convite não sei se o aceitaria.

sempre quis trabalhar em comunicação?

a comunicação esteve sempre na base das escolhas que fui fazendo. as línguas, em termos académicos, eram a minha inclinação e o falar outras línguas tem tudo que ver com comunicação. ao falarmos uma língua estrangeira colocamo-nos um pouco no lugar dos nativos dessa língua. tudo em nós muda quando falamos uma língua diferente. transmitimos coisas diferentes. de certa forma estamos a representar. eu sou diferente em inglês e em francês. a comunicação esteve de facto presente em muitas das minhas escolhas, mas também gostaria de ter seguido algo mais ligado às artes plásticas.

chegou a fazer algum curso?

fiz o 12.º ano na área de humanísticas. tinha uma boa média e podia ter entrado para a universidade, mas não me apetecia continuar a estudar. nunca me dei bem com os estudos, nem com a escola. sempre fui profundamente infeliz na escola [risos]. não tenho saudades da vida de estudante. não tirei um curso superior por vontade própria.

começou logo a trabalhar?

já estava a trabalhar quando acabei o secundário. comecei em moda – anúncios de televisão – aos 16 anos. depois, aos 19, entrei para uma companhia aérea e estive on and off no ar durante oito anos. ao mesmo tempo ia fazendo televisão. talvez, se fosse dez anos mais nova, não me tivesse safado tão bem sem um curso superior, talvez me tivesse tramado e não pudesse ter feito as escolhas que fiz. tive sorte.

jose.fialho@sol.pt