Equinócios e Solstícios

Pedro Santana Lopes destaca os principais temas da semana no panorama político.

surpreendente

união europeia e sinais de liderança

o discurso do estado da união europeia, feito por durão barroso, na passada semana, em estrasburgo, perante os deputados europeus, surpreendeu.

essa característica encerra uma primeira virtude: é que, no estado de letargia em que a europa se encontra, a surpresa, em si mesma, já tem mérito.

existe a sensação generalizada de que a união está bloqueada pelas dificuldades económicas e sociais em que mergulhou. esse bloqueio sente-se, como é lógico, de um modo especial, ao nível das instituições da própria união.

durão barroso analisou a actual situação da europa recorrendo a uma qualidade que lhe conheço desde há muitos anos: partir da realidade para a conceptualização. falou dos dois caminhos, o federalista e o intergovernamentalista.

como em tudo o resto, nomeadamente em relação ao euro, disse que há vantagens em ambos. foi aí que durão barroso colocou o dedo na ferida e, também, na sua ferida: há um certo tipo de intergovernamentalismo que pode destruir a construção europeia. naturalmente que, ao ouvirmos essas palavras, todos nos lembrámos do caminho que tem sido trilhado por angela merkel e por nicolas sarkozy procurando secundarizar, em várias ocasiões, o papel da comissão europeia e do seu presidente.

durão barroso, também ele, de certo modo, sujeito a algum bloqueio, tomou a opção correcta. decidiu, não pela fuga para diante, mas por um ou dois passos em frente. não recuou nem ficou onde estava. antes ousou, assumindo a defesa dos eurobonds e anunciando o imposto sobre as transacções financeiras.

ao fazer isto, durão barroso voltou a agir e não só a reagir. agiu nas decisões e agiu no estilo, procurando deixar claro que falava com convicção e que está determinado nos objectivos.

durão barroso falou com aquele seu antigo estilo de combate, ousando desafiar mesmo os mais poderosos. é um estilo que conhece, que lhe deve dar um certo gosto assumir numa europa que, como escrevi já neste espaço, várias vezes, anseia por sinais de liderança.

não é certo que os novos tempos da união se venham a construir com base nas posições até aqui defendidas pela alemanha e pela frança.

pode ser que, um destes dias, chegue a hora de os outros estados ganharem consciência da sua força e da sua importância, em especial se assumidas em conjunto.

envolvente

serenidade no processo da madeira

depois de uma campanha muito intensa, realizam-se no domingo as eleições regionais na madeira. todos conhecemos o tema que dominou estas semanas de disputa eleitoral. e a questão é também essa: a análise serena e a garantia de objectividade no tratamento do que entretanto se conheceu, acabaram, naturalmente, por ser prejudicadas porque, mais uma vez, um tema sério e grave foi desvendado e tratado só em cima das eleições.

manda a verdade dizer que o governo solicitou uma auditoria rigorosa para divulgar os respectivos resultados antes das eleições, e assim aconteceu. mas é óbvio que, para além dessa auditoria, as reacções, propostas e comentários foram condicionados por estarmos próximos de um acto eleitoral. depois das eleições de domingo, espera-se que seja a serenidade a dominar o tratamento do processo de recuperação financeira desta região autónoma.

alberto joão jardim, tendo reagido, num primeiro momento, mais na defensiva, passou também ele, depois, a apelar à união de todos os madeirenses e a colocar a questão, de novo, no plano do combate político entre o continente e a região.

todos sabem que a situação é complexa e melindrosa. por isso mesmo, o ‘sangue frio’ de que pedro passos coelho deu provas quando tratou deste assunto, numa entrevista televisiva, deveria ser assumido por todos os que vão ter de desenvolver este processo a partir de segunda-feira. por causa da madeira e por causa de portugal, no seu todo.

seguramente que o presidente da república vai ser chamado, pela natureza das suas funções, a desempenhar um papel fulcral nesta matéria.

exigente

o voto do ps no orçamento de 2012

começou o debate sobre a posição que o partido socialista deverá assumir na votação do orçamento do estado para 2012.

sabe-se que o ps vive tempos de superação do ciclo de uma liderança forte que durou seis anos. sabe-se que o ps não saiu unido do seu mais recente congresso. sabe-se que o ambiente entre as duas correntes que mediram forças se tem tornado cada vez mais crispado. sabe-se que antónio josé seguro é um líder em natural processo de afirmação.

sabe-se tudo isso, e muito mais. mas não estamos em tempo de irresponsabilidades e, em circunstâncias tão complexas como aquelas que atravessamos, a incoerência é demasiado arriscada. por isso mesmo, o partido socialista tem, de facto, duas hipóteses: abster-se ou votar a favor.

votar contra, em circunstâncias normais de um orçamento do estado correspondente ao que se espera num quadro como o actual – o quadro do acordo com a troika – seria injustificado, inaceitável e incompreensível. as instituições que aceitaram ajudar portugal exigiram, só há uns meses, um consenso partidário muito alargado para um conjunto de medidas consideradas indispensáveis.

na grécia, a irredutibilidade nas lutas entre a maioria e a oposição, bem contribuiu para o resultado que se conhece. portugal, neste momento, como em poucos outros da sua história das últimas décadas, precisa de um elevadíssimo sentido de responsabilidade da parte dos seus principais dirigentes. há assuntos que nem merecem discussão porque diminuem a força e a segurança da credibilidade do país perante o exterior.

o chefe do governo e o líder da oposição que se encontrem as vezes que sejam necessárias para conseguirem uma solução para esse voto. um voto tão significativo que seja capaz de mobilizar as energias nacionais, dar ânimo aos investidores e aos trabalhadores e reforçar a confiança externa na determinação de portugal em cumprir a palavra dada.

o que está aqui em causa são as condições de vida dos portugueses e é a dignidade da pátria que todos constituímos. quanto mais portugal demonstrar que merece confiança, mais depressa sairá da crise.