Rui Unas: ‘Não me arrependo de ter feito a Floribella’ [vídeo

Já fez de tudo em televisão, do Acontece a Floribella. Aos 37 anos, considera-se mais adolescente dos que alguma vez foi. Apesar de continuar a ser conhecido como ‘o tipo do Cabaret da Coxa’, prepara-se para estrear um filme sobre a síndrome de Down

é verdade que começou como jornalista no acontece?

o meu percurso profissional começou de facto no acontece. fazia um trabalho sério e responsável em que cobria eventos culturais. o carlos pinto coelho, que tinha sido meu professor no curso que tirei na etic, gostou do meu trabalho e quando apareceu uma vaga no programa convidou-me. durante um ano fiz reportagens sobre peças de teatro, exposições, lançamentos de livros, coisas em que não havia espaço para a loucura nem para a brincadeira. aprendi muito porque o carlos era super-rigoroso e foi o melhor professor que poderia ter tido no início da minha actividade profissional. um início diametralmente oposto ao que agora faço…

o que o fez mudar de rumo?

estava muito orgulhoso de estar na rtp com o carlos pinto coelho. e ainda por cima ele dizia que eu tinha muito jeito. é que tenho um lado muito sério, muito rigoroso e muito certinho que fazia com que me desse bem naquele registo. só que entretanto, em 1996, surgiu o alta voltagem, e aí percebi que não estava talhado para coisas sérias. percebi que tinha de dar azo à minha irreverência e loucura. mas até aí era uma pessoa muito certinha. usava risco ao lado e tudo!

e depois veio a ficção.

comecei em 1996 como jornalista, em que não dava a cara nas reportagens. depois comecei a aparecer na televisão como apresentador de programas que eram ao mesmo tempo todos diferentes e todos iguais. diferentes no registo e no formato mas iguais porque eram todos dirigidos ao público juvenil. falo do alta voltagem, do sub-26, do curto-circuito…

também entrou na floribella.

quando surgiu a oportunidade de fazer a floribella eu já estava enquadrado na estrutura da sic. o francisco penim, que era o director da estação, convidou-me para ser ‘cara sic’. embora não fosse obrigado a nada, fui convidado a fazer a floribella e senti-me impelido a aceitar. foi um desafio completamente diferente porque na altura já tinha outro peso: era o tipo do cabaret da coxa, que era a memória mais recente que o público tinha de mim. mas essa foi também uma das razões pela qual aceitei estar num registo completamente diferente, para um público completamente distinto. fi-lo e não me envergonho! acho que também não tenho motivos para isso…

de apresentador, virou actor.

não foi algo que tenha pensado e acalentado desde cedo. primeiro fui desenvolvendo personagens televisivas enquanto apresentador. por exemplo, no cabaret da coxa, aquela pessoa que apresentava o programa não era bem eu, era uma persona televisiva que criei. era um alter ego. havia um lado meu que era potenciado e outro que era recalcado. portanto, enquanto apresentador acho que sempre fui actor. depois nos programas que fui fazendo sempre houve espaço para criar algumas personagens e alguns sketches.

só com o filme os imortais [2003] voltou ao seu lado sério.

foi só aí, quando me convidaram para o filme do antónio-pedro vasconcelos, que me dediquei à representação. era uma grande responsabilidade estar ao lado de actores consagrados como o rogério samora, o nicolau breyner, o joaquim de almeida, nomes incontornáveis e grandes da nossa ficção. e dei-me bem. entretanto, convidaram-me para fazer outro filme e quando dei por mim já tinha uma carreira paralela como actor.

que diferenças sentiu da televisão para o cinema?

em televisão estava em freestyle. os projectos que tenho feito são da minha autoria e por isso tenho margem para improvisar e ser aquilo que quiser. quando estou a fazer uma personagem, sou aquela personagem. sou sempre alguém que não eu e o desafio maior é desvincularmo-nos daquilo a que o público nos associa. as pessoas têm que acreditar que o rui unas é aquela personagem. conseguir libertar-me de alguns tiques ou trejeitos e fazer com que as pessoas acreditem que eu não sou o rui unas mas determinada personagem é a grande magia da representação.

e o teatro?

já tive duas experiências em teatro que passaram um bocadinho ao lado. uma foi com a companhia de actores em que fiz uma compilação de textos do nelson rodrigues. há pouco tempo fiz as pedras nos bolsos, com o diogo morgado, na malaposta. éramos obrigados a fazer uma série de personagens e eu tremia como varas verdes! é completamente diferente ter ou não ter uma câmara. se estivesse lá uma câmara fazia aquilo na boa… mas ajudou-me a crescer imenso como actor.

o que sentia antes de entrar em cena?

as pessoas podem não acreditar mas sou uma pessoa tímida por natureza. e as apresentações ao vivo, mesmo as experiências que já tive em stand up comedy, são sempre uma luta contra a timidez. em televisão, mesmo quando há público, é tudo mais frio e mais técnico e estou sobretudo a falar para a câmara. mas depois também é verdade que o prazer que se tem no teatro é o dobro do que se tem na televisão. no caso desta peça, que era um misto de tragédia e comédia, sentia as pessoas a rirem-se e a emocionarem-se, e isso não se sente em televisão.

e tem mais projectos para o teatro?

gostava mas estas experiências aumentaram ainda mais o respeito que já tinha pelos actores porque apesar de estar apenas um mês em cena, estive outro tanto a ensaiar, e é uma coisa efémera. não há registo no youtube das coisas que fazemos no teatro. o trabalho que é necessário para pôr uma peça em cena, depois o reconhecimento e até o próprio retorno financeiro não são proporcionais. senti na pele o que é preparar uma peça, o que é estar em palco e só voltaria com um projecto que me desafiasse. o difícil é as pessoas levarem-me a sério e isso é que é estimulante. ‘estão a contar que agora vos faça rir? se calhar agora não vos vou fazer rir. vou-vos fazer chorar ou pôr a pensar um bocadinho’. se conseguir isso, é uma grande vitória porque as pessoas olham para mim e já me imaginam a fazer disparates. mas a verdade é que ao longo deste percurso de 15 anos tenho conseguido ser variado. para mim só faz sentido assim. posso não ser excelente em nada, e se calhar não sou, mas procuro ser mais do que médio nas coisas que faço.

e, de todos estes, qual é o seu ‘habitat natural’?

onde me sinto realmente à vontade é no talk show. é o registo em que estou em casa, apesar de ser um formato um bocadinho egocêntrico porque os talk shows são todos iguais, o que os diferencia são os apresentadores. a última ceia tinha muito o meu cunho pessoal e agora que acabou fico com pena de não ter tido mais meios, mais apoio, mais gente a ver… fico com pena de muita coisa mas para mim já foi um grande passo relativamente ao cabaret da coxa, que marcou muito a minha imagem. o facto de estarmos ‘no cabaret da coxa’ já demarcava muito as coisas. tínhamos um papagaio que só dizia asneiras, tínhamos sexo pouco implícito e um programa brejeiro. a última ceia era diferente porque eu, enquanto apresentador e entrevistador, estava muito mais à vontade ao ponto de – e isto pode parecer uma enorme irresponsabilidade – não preparar as entrevistas. lia a pré-entrevista que a produção fazia, tomava uma notas e depois era tudo em freestyle. entendi que quem vê um talk show tão tarde não quer ver uma entrevista séria e de carreira, quer é ver duas pessoas a conversar e a divertirem-se. e o meu desafio era esse. e acho que consegui, com o tempo, aprimorar essa minha capacidade de, mesmo com as pessoas que não conhecia, naqueles minutos sermos ‘os melhores amigos’ e falarmos de coisas que ninguém esperava.

veja aqui um excerto da entrevista a rui unas.

patricia.cintra@sol.pt