os infortúnios da normalidade
quando amanda knox foi ilibada da morte de meredith kercher, após ter passado quatro anos na prisão, ouvi dizer: «não sei se é culpada ou inocente, mas agora nunca saberemos quem foi o assassino». não sei se a frase é involuntariamente cínica ou sinceramente estúpida. mas nem o cinismo, mesmo que propositado, a protege da estupidez. depreendemos que mais valia que ficasse dentro. mais tarde ou mais cedo, amanda levar-nos-ia ao culpado… como acredito na justiça, estou convicta de que é inocente. quando foi declarada culpada no primeiro julgamento, reprimi o meu espanto. agora fiquei aliviada graças ao artigo de carole cadwalladr no guardian, que defende que ainda há homens e mulheres que não aceitam uma normalidade que inclua sexo. amanda foi acusada de ter feito sexo com um desconhecido num comboio. parece que era namoradeira e encontraram um vibrador nas suas coisas. em suma, uma rapariga assim só podia acabar a matar uma pessoa. de preferência, uma que fosse o seu contrário. meredith, por exemplo. não sei se amanda é «culpada» de ser rapariga e sexualmente activa, como diz cadwalladr. mas concordo que ser normal e gira como amanda knox ainda perturba muita gente.
a reacção
vários jornais online quiseram saber a influência de steve jobs nas vidas dos leitores. pediram às pessoas que dissessem o que tinha mudado na vida delas por causa daquele homem desaparecido prematuramente. não me interessaram tanto as histórias de amor (porque é de amor que se trata) dos leitores com o iphone e o ipad como o motivo que levava a imprensa online a querer saber tais pormenores. talvez por causa da reacção invulgar à sua morte: flores à entrada da sua casa em palo alto; velas à porta das lojas da apple; bilhetes com palavras de despedida; milhões de mensagens pelas redes sociais. as pessoas estavam disponíveis para partilhar a sua tristeza. o washington post quis saber o que levou a esta reacção habitualmente reservada a artistas pop. não houve uma resposta definitiva e clara. penso que a reacção se deve à estranha relação emocional que o mundo experimentou com uma pessoa em particular. através das suas invenções, steve jobs mudou a maneira como utilizamos o computador, o telefone ou como ouvimos e compramos música. e amamos os objectos que criou. o mundo reagiu com emoção à sua morte porque estava apaixonado por ele. «we will always love you, steve».
variar e acumular
antes da modalisboa houve a new york fashion week e a semana da moda em paris. em comum nestes eventos, excepto no de lisboa, temos a estreia de um documentário de julie benasra que promete. chama-se god save my shoes e tem um dos maiores motivos de interesse das mulheres como tema central: sapatos e mais sapatos. christian louboutin, walter steigner, bruno frisoni e manolo blahnik são alguns dos intervenientes neste filme que estará online em novembro e que promete debater a pergunta respondida com menos certezas deste mundo: de onde vem esta loucura com os sapatos? seria de esperar que os responsáveis pelos pares de sapatos mais cobiçados no mundo fossem capazes de responder sem hesitações. pelo que vi no trailer são eles quem menos parecem saber acerca das motivações femininas. o mais divertido é manolo blahnik, que diz que uma mulher com uns sapatos de salto alto não precisa de se esforçar para estar bem. nunca os dez centímetros foram considerados tão práticos como nesta tese. tem razão mas não é esta certeza que nos leva a coleccionar pares de botas. o documentário estará incompleto se não falarem sobre o que nos faz querer variar e acumular.
parafuso a menos
ron rosenbaum escreveu um artigo na slate sobre as novas tendências na neurociência. o pensamento que parece estar na berra sobre a existência do mal – e que apareceu recuperado com a morte de osama bin laden e o caso anders breivik – dispensa as tradicionais divisões morais entre bem e mal. para simon baron-cohen, professor de psicopatologia, autor do mais recente the science of evil (que tenho à minha espera no kindle) e primo do célebre sacha baron-cohen, o mal não existe. só há problemas em chips cerebrais que interferem com o circuito da empatia e levam alguns a ter comportamentos considerados «maléficos» mas contra os quais os seus autores nada podem fazer. sacha-cohen, como qualquer neurocientista, desvaloriza factores externos na formação do indivíduo, como a educação, a sociedade, a família. as pessoas nascem (como a gabriela, cravo e canela) assim: umas com parafusos a mais, outras a menos; e nenhum dos seus actos bons ou maus se deve a decisões suas. estamos perante a tese mais pessimista de sempre sobre a nossa espécie. não há razão que nos valha e nem a sorte nos protege. somos máquinas esquisitas e sem arranjo. não é verdade. pois não?
chapéus há mesmo muitos
addi sommekh não tem só jeito para tarefas originais: é um profissional na arte de fazer chapéus com balões torcidos. um dia, o fotógrafo charles eckert propôs-lhe que fossem ambos pelo mundo fora registar as reacções das pessoas com os chapéus na cabeça. a experiência resultou em imagens ilustrativas do que une a espécie humana e transcende as diferenças entre os indivíduos. o riso une as crianças num orfanato na mongólia, um homem de cabelos brancos numa estação de comboios na alemanha, duas meninas em queens, tribos no deserto de rajasthan, na índia, homens no burkina faso, mulheres em zonas recônditas do vietname. em sete viagens a 34 países ao longo de três anos, os chapéus espectaculares de addi sommekh provocaram risos e assim uniram dois californianos ao resto do globo terrestre. vale a pena ver os resultados em www.balloonhat.com. o projecto lúdico comprova que a comunicação pacífica entre os povos é possível desde que usemos a imaginação e não tentemos fazer isto em zonas de guerra. não há fotografias no afeganistão nem em gaza. é pena porque o riso é um indicador de paz. sobretudo quando estamos perante a inocência daqueles chapéus.