Abóboras decorativas

Elias chegou a ter 85 variedades de abóbora no campo. Sem que nenhuma delas servisse para sopa. Umas brancas, outras verdes, algumas encarniçadas. A excepção eram mesmo as tradicionais abóboras cor-de-laranja, num conjunto quase infinito de cores e formas, apenas para decorar.

«podemos pô-las nas cozinhas, em cima de lareiras, usá-las para enfeitar casamentos. comer não é o objectivo, mas há quem compre para rechear». o agricultor mostra então uma das variedades que tem à venda, em aveiras de cima, numa banca de estrada – quase em forma de bolo, parece uma abóbora com cabeça. é esta parte saliente que as suas compradoras retiram, tal qual a tampa de um tacho, para depois levarem ao forno as abóboras recheadas com carne.

outras parecem cabaças, umas são semelhantes a melancias-anãs ou carambolas, e há as abóboras tipo pepino branco, muito rugosas, como se estivessem carregadas de verrugas. na maioria, o aspecto é surpreendente. ninguém resiste às cores, às formas e às possibilidades decorativas destes hortícolas: «temos muita gente a passar por aqui e a parar o carro para fotografar. houve quem tivesse filmado. tem sido uma loucura». elias torrão gaspar, de 52 anos e há 20 a semear e plantar abóboras decorativas, diz que há muitos anos é assim.

mal começam a aparecer na banca de estrada, no princípio de julho e até outubro, as vendas são muitas. este ano aventurou-se nas abóboras para o halloween, por encomenda, e lá estão elas a ocupar o espaço das decorativas, agora em final de época. a vantagem é que tanto umas como outras duram um ano dentro ou fora de casa, desde que não sejam perfuradas.

 

sem deitar lume

josé carlos piano, arquitecto de interiores, só uma vez usou abóboras para uma decoração alusiva ao dia das bruxas. o responsável pelas lojas flor, em santos e no chiado, em lisboa, trabalha há 11 anos com plantas e diz-se fascinado pelas formas e as cores deste vegetal. «constituem quase um pantone e coordenam-se com a maioria das flores, desde as orquídeas às rosas, passando pelas flores mais simples e banais, como as margaridas».

a decoração de casas e de exteriores com este vegetal «é muito comum»; é preciso apenas imaginação para o poder trabalhar. josé carlos tanto encaixa as abóboras umas nas outras como as utiliza como jarra de flores. no exterior, sugere a simplicidade de uma abóbora em cima da mesa «com um molho de margaridas ao lado».

alerta, no entanto, para um facto importante: «o seu uso é flexível. não há limites». é por esta razão que tanto funcionam num ambiente rústico como num espaço chique.

«imagine o contraste brutal entre as abóboras tradicionais misturadas com tulipas», que até poderiam combinar com uma arquitectura de linhas rectas, paredes feitas de vidro e candeeiros de design moderno. «isso seria completamente urbano! não temos de colocar rótulos nas abóboras e pô-las a deitar lume pelos olhos». há até a alternativa de as usar fora da estação habitual, o outono.

 

obra do acaso

rui pericão de almeida é bem mais simples na opção que toma quando colhe as abóboras no terreno de sua casa, em fernão ferro. oferece à mulher para que esta as coloque numa fruteira.

a brincadeira com as abóboras decorativas começou por um acaso – ainda nem sequer tinha iniciado a sua horta, quanto atirou para um terreno baldio uma abóbora podre. «passado algum tempo, estavam a nascer rebentos».

hoje, seis meses depois de ter «lançado mãos à obra» na agricultura, o autor do blogue horta do pericão (horta_pericao.blogs. sapo.pt) já não encontra espaço para as abóboras ‘menina’, as de consumo. tem-nas espalhadas pelos muros e no alpendre de casa, servindo também como decoração. tal como as que viu crescer por sorte, na terra.

a diferença é que o sabor das comestíveis é mais do que conhecido; as outras não faz ideia a que sabem. mas elias torrão gaspar assegura que ninguém morre por provar a ‘carne’ de uma abóbora decorativa. tratam-se apenas do resultado da mistura de sementes que o agricultor vai encontrando «aqui e acolá» e depois deita em terreno fértil.

isso é muito importante para que cresçam com saúde, e nem sequer é preciso muita água. aliás, quanto menos forem regadas «mais bonitas ficam». o agricultor de aveiras de cima até já pensou em criar uma banca de estrada apenas com as abóboras, mas diz não ter tempo. é que elas precisam de muito cuidado e carinho. «temos de ir ter com elas, ver se estão bem, tratar do míldio, do oídio. é como a vinha».

francisca.seabra@sol.pt

*com joana ludovice de andrade