Cinco Sentidos

Os alunos mais inteligentes encaram os erros como oportunidades de crescimento. Os problemas mais difíceis estimulam-nos, em vez de os frustrarem.

sadismo infantil

o dia estava bonito para andar de baloiço e quatro adultos acompanharam um bebé de um ano e meio ao parque infantil no jardim da estrela. não fomos originais na ideia porque o sítio estava cheio de crianças de todas as idades. a brincadeira estava a correr bem até que chegou a vez de experimentar o escorrega. o bebé é destemido e lá se posicionou sozinho de barriga para baixo para escorregar por ali fora até ser agarrado por um dos quatro. um rapaz de cinco anos achou graça ao mais pequeno e deu-lhe um abraço carinhoso. estávamos de lágrima no olho, quase a celebrar a bondade natural das crianças, quando o de cinco anos dá novo abracinho, desta vez cravando os dentes nas costas do bebé. passámos de comovidos a chocados com o que acabara de se passar à nossa frente. tínhamos confiado nas boas intenções da criança que se revelara meiga num primeiro momento. nada fazia esperar que o segundo resultasse num acto de crueldade. o psicopata infantil riu quando o pai o repreendeu. o bebé chorou na altura e recomeçou a andar sem trauma nem memória na direcção do escorrega. na areia ficaram espalhados os mil pedaços em que se fizeram aquelas quatro almas.

uma boa notícia…

… ou talvez não. longe vão os tempos em que pensava que a experiência individual moldava a personalidade. segundo um importante estudo em que estiveram envolvidas universidades insuspeitas, chegou-se à conclusão de que a felicidade, ou a falta dela, é mais hereditária do que adquirida. vou poupar-vos aos pormenores sobre as transferências de serotonina. o importante é que pais com tendência para a alegria fazem filhos iguais a eles. quando um dos progenitores é depressivo e o outro é feliz e contente, a coisa complica-se. etnicamente falando, os africanos são tendencialmente mais felizes do que os caucasianos, mas não muito mais. mas os asiáticos em geral tanto podem dar para um lado como para o outro, cada metade em partes iguais. o mais curioso é aqueles povos em que os ansiosos e angustiados são a maioria tenderem politicamente a apoiar regimes colectivistas, certamente em busca de harmonia exterior. estes estudos estão numa fase inicial, no entanto a expectativa por mais informações e conclusões torna-nos, a todos nós, mais ansiosos e inseguros, seja qual for a etnia. até haver resultados, fico agitada como uma chinesa do sítio mais recôndito da china.

o maior problema

o maior problema do nosso país tem nomes diferentes consoante quem fala. para uns é o défice, para outros a dívida externa, e para os desligados da realidade é a crise de valores. o problema não me parece difícil de explicar, embora não seja especialista em assuntos económicos. sob a óptica da comum pagadora de impostos, diria que a má gestão dos dinheiros públicos e o excesso de peso do estado levaram a contrair dívidas que não conseguimos pagar. mas nada disto seria especialmente mau se fôssemos grandes produtores. ou apenas ricos. mas como não produzimos nem temos petróleo no quintal, a dívida fez de nós reféns dos credores, sobretudo porque estes não confiam em quem quase não produz. é o meu entendimento light das taxas de juro cada vez mais altas. a necessidade que neste momento me parece mais urgente é o estado, os particulares, as empresas honrarem os compromissos com os credores. ora, se não temos dinheiro e não produzimos, como vamos pagar o que devemos? o desemprego é por isso o maior problema que o país enfrenta. era bom termos em pedro passos coelho alguém que de facto criou condições para as pessoas viverem melhor. a sua prova de fogo chegou.

falhar melhor

jonah lehrer escreve na wired sobre um estudo conduzido por jason moser da michigan state university que pretende compreender o que leva algumas pessoas a aprender mais depressa com os seus erros do que outras. fazendo uso de uma divisão estabelecida por carol dweck, psicóloga em stanford, moser fez a experiência de observar através de electrocardiogramas que reacções físicas tinham os que erravam em testes mais fáceis e mais difíceis. a divisão de dweck foi útil porque permitiu a moser verificar que estudantes com uma estrutura mental fixa não aprendem tanto como os outros que têm uma estrutura mental alargada. não sei como se chegou ao ponto de perceber a estrutura mental de cada pessoa mas não sejamos picuinhas. parece claro que alunos mais inteligentes abraçam com alegria os erros como oportunidades de crescimento e que confrontar estas pessoas com problemas mais difíceis de resolver as estimula em vez de as abater e frustrar. desde que se esforcem, claro. a exigência na escola é, então, uma questão de mera honestidade. o artigo acaba com o enunciado de samuel beckett: «try again. fail again. fail better». finalmente compreendem o que quis dizer.

indignação mínima nacional

volta e meia ouvimos falar de exemplos, sobretudo dos que políticos e governantes deviam dar para que a população seguisse. não gosto deste mania de invocar esta necessidade e vou tentar explicar porquê. antes de mais, os governantes são eleitos e castigados nas urnas pelo povo. assim é em democracia. isto significa que os cargos que os democraticamente eleitos ocupam trazem a responsabilidade séria de servir as pessoas e não um poder de infantilizar eleitores e contribuintes com discursos sobre o que deviam ou não fazer. ora, o discurso dos exemplos menospreza a população que é crescida e paga impostos. não compete aos políticos nem aos governantes serem figuras paternas ou maternas de um povo. o comportamento que qualquer contribuinte espera de quem ocupa cargos públicos é o mesmo que por lei lhe é exigido a si. vou dar um exemplo pequenino: o uso de carros do estado para fins particulares. não é por respeito nem para ‘dar o exemplo’ que os funcionários estatais não podem usar propriedade que não lhes pertence como se fosse sua. é por causa daquela lei básica que manda não tocar no que não é nosso. às vezes, tocar dá cadeia. e se não dá, façam leis para que dê.