falsidade
o presidente não tem tido um comportamento partidário
alguns elementos da oposição têm procurado lançar a ideia de que este presidente da república seria o ‘mais partidário’ dos presidentes eleitos desde o 25 de abril. carlos césar foi o mais assertivo na formulação desse juízo de valor.
em portugal – e no resto do mundo – dizem-se ‘umas coisas’ assim, a ‘ver se pegam’… e, depois, andamos uns tempos a discutir essas supostas teses com ar muito sério.
carlos césar quererá dizer que cavaco silva foi o presidente com quem pior se relacionou. mas isso é outro assunto. lembram-se do presidente sampaio e do governo sócrates? foi curto, foi só um ano e pouco, mas a cooperação foi quase idílica.
dou um exemplo: em setembro de 2005 o então presidente da república criticou o meu governo por ter anunciado a intenção de criar escalões nas taxas moderadoras, diferenciando-as em função dos rendimentos. um ano mais tarde, porém, o mesmo presidente, já com josé sócrates como primeiro-ministro e correia de campos (especial amigo de jorge sampaio) como ministro da saúde, não teve o mínimo pejo em dizer que compreendia a decisão.
é difícil conceber uma situação como esta. em todas as situações, mas principalmente quando estão em causa os mais altos cargos do estado, não são concebíveis atitudes daquelas.
lembre-se, por outro lado, o que foi a ‘cooperação estratégica’ entre belém e são bento nos primeiros anos.
era tão ou mais idílica do que fora entre sócrates e sampaio. as pessoas estavam atónitas com a intensidade da harmonia institucional que inundava o sistema político.
quem não recorda aquelas sessões de apresentação de cumprimentos de boas festas em que as palavras de simpatia recíprocas se sucediam umas atrás das outras?
aliás, foi nessa altura que os gatos fedorentos fizeram um muito divertido sketch em que punham cavaco silva e josé sócrates ‘extasiados’ um com o outro…
a ideia que se tentou difundir esta semana não tem, pois, qualquer correspondência com a realidade.
principalmente, se fizermos a comparação entre os primeiros tempos dos dois primeiros-ministros que cavaco silva nomeou desde que foi pela primeira vez eleito.
obrigatoridade
estatuto dos açores quebrou a confiança entre cavaco e a maioria socialista
aliás, o discurso do 5 de outubro – e outras ocasiões como aquela em que cavaco silva defendeu um imposto sobre as fortunas – mostra que o presidente não tem nenhuma ideia fixa de defender as mesmas posições que o governo. bom? mau? já muitas vezes manifestei a minha opinião sobre a matéria: não gosto nada que os presidentes manifestem opiniões públicas divergentes das do governo. refiro-me, principalmente, a matérias da governação – ressalvando circunstâncias excepcionais.
não haja dúvidas de que serão muitas as vozes a tentar condicionar cavaco silva, especialmente numa altura tão complexa como aquela que o país atravessa. a obrigação do presidente e do governo é não cederem um milímetro. podem dividir papéis, pode um, por vezes, dizer o que não convém ao outro afirmar, mas tudo tem de ser feito em perfeita sintonia. um exemplo: mesmo que passos coelho concorde com as palavras proferidas por cavaco silva em florença, não deveria ser ele a dizê-las.
em circunstâncias como estas, a convergência tem de ser total. qualquer manifestação de falta de solidariedade institucional entra no domínio do antipatriotismo. pode parecer exagerado, mas é aquilo que penso.
devo dizer que não tenho, não quero ter a mínima dúvida de que, neste momento, o relacionamento entre belém e são bento é exemplar.
cavaco silva, nos primeiros anos do governo de josé sócrates, acreditou na cooperação com este governo e nos resultados dessa governação. a partir de certa altura, porém, as coisas mudaram. o presidente, manifestamente, deixou de acreditar. e, depois do estatuto dos açores falou mesmo em violação de confiança e em respeito pela verdade. quebraram-se os laços.
com novo governo, com tão grande crise, o presidente tem de fazer tudo, mesmo tudo, para ajudar o seu governo. sim, porque é essa a noção que tem faltado em belém durante décadas: o governo em funções é, também, o governo do presidente. também é o seu governo.
p.s. – estes textos foram escritos antes das palavras de cavaco silva sobre a retirada dos subsídios de férias e de natal aos funcionários públicos. prevenção? não. premonição? também não. mas o que foi dito pelo pr só é compreensível se o assunto tiver sido previamente tratado com o primeiro-ministro. se cavaco silva tiver comunicado previamente ao chefe do governo a sua discordância (e a sua intenção de a manifestar publicamente), as declarações são admissíveis do ponto de vista institucional. se não, são injustificáveis. no plano substancial a questão é outra, certamente discutível.
probabilidade
sarkozy e obama serão reeleitos?
a propósito de ‘seu governo’, pensemos em frança, onde tudo se encaminha para que no próximo ano seja eleito um novo presidente da república.
françois hollande teve uma vitória significativa. há três ou quatro anos ninguém diria que ele ganharia as votações no partido socialista.
ganhou e ganhou bem, com a novidade de terem participado muitos não-militantes. ‘à americana’, como francisco assis defendeu que fosse feita a escolha do líder do ps e como já foi muitas vezes equacionado no ppd/psd.
é um belo caminho para renovar os partidos e para acabar com o lado mais feio que eles têm: o comando, não dos ‘indignados’, mas dos ‘insta-lados’.
hollande foi persistente e, entre outros adversários complicados, ganhou a martine aubry, líder do ps francês (e filha de jacques delors, o que não é de somenos na hora que a europa vive…) e à sua ex-mulher, ségolène royal, a candidata nas anteriores eleições.
hollande não tem qualquer carisma. mas os franceses que apostam na mudança não quererão mais ‘brilhos’ mas sim serenidade.
e, em minha opinião, nicolas sarkozy também é desprovido de carisma. tem um tipo de inteligência acutilante, um humor de gosto duvidoso, é frio, implacável com os adversários e procurou inovar o conjunto de ideias da direita. procurou ser muito fora do comum. excessivamente fora dos padrões de um presidente, especialmente ‘de la france’.
serão duas eleições interessantes, entre várias, no próximo ano: em frança e nos estados unidos. qual a razão para destacar estas? porque têm em comum o facto – muitíssimo raro – de um presidente não ser reeleito após o primeiro mandato.
em ambos os casos, razões externas podem ajudar a compreender o fenómeno. mas – também em ambas as situações – se nicolas sarkozy e barack obama não forem reeleitos será principalmente por razões internas e, acima de tudo, por culpa dos próprios.