Fora de prazo

Estreou esta semana no Canal Q o programa A Costeleta de Adão. Se o nome já o anuncia, a ideia – ainda por concretizar plenamente – é a desconstrução dos programas supostamente dirigidos ao público feminino que vão povoando o pequeno ecrã.

o alvo toma inevitavelmente a forma da sic mulher e mesmo sem se esticar em demasia na sátira – ou sequer, por enquanto, se afastar o suficiente do objecto que põe em causa – impõe uma reflexão sobre o canal temático da sic e, no fundo, sobre o que é e que validade tem um canal que se direcciona para o público feminino. o que quer que isto queira dizer.

há dois programas nucleares na programação da sic mulher. o primeiro, uma espécie de ponto de honra da estação, chama-se querido, mudei a casa e dá o tom paternalista e – como evitá-lo? – machista que rege algumas das suas apostas. no fundo, o que jaz subentendido por detrás do título do programa é que a casa é o reduto da mulher, cabendo ao homem ficar de boca calada no espaço onde vive e dar-se por feliz por ter um sofá onde se esparramar. a isto junta-se, fatalmente, uma panóplia de programas de culinária ou em torno da cozinha, remetendo sistematicamente a mulher para um posto caduco de fada do lar bem prendada.

o segundo programa nuclear, chamado mais mulher, tenta assumir-se como um magazine que cobre todas as áreas de interesse – mas que não dispensa a rubrica de comentário sobre as revistas cor-de-rosa, a ‘coscuvilhicezinha’ – e trata tudo com uma leveza que se limita a contornar ligeiramente a futilidade. como se, afinal, as mulheres precisassem apenas de programas de fácil deglutição e pouca exigência. a discriminação que aqui se previa positiva não é, afinal, mais do que uma perpetuação de preconceitos fora de prazo.