O interregno e os BRIC

Estamos a atravessar um destes períodos indefinidos e estranhos da História a que, por comodidade, chamados interregnos.

vai fazer 20 anos, em dezembro, que gorbachev, no dia de natal, anunciou o fim da união soviética. e há pouco mais de um mês cumpriram-se 10 anos sobre os ataques às torres de manhattan.

estes dois acontecimentos marcaram o nosso tempo. o primeiro, o fim da guerra fria que durou mais de 40 anos. com o 11 de setembro terminou o primeiro interregno e iniciou-se um tempo de grandes riscos e desafios à segurança dos estados unidos e do ocidente.

não foi tanto assim: o 11 de setembro, o maior acto terrorista da história contemporânea, não teve escalada nem cópia próxima. o terrorismo de inspiração milenária politizou-se, os norte-americanos reagiram com a eficácia sistemática que aplicaram sempre na destruição dos inimigos, mesmo em nome de grandes princípios humanitários. bin laden está morto e os grupos da al-qaeda foram contidos fora do solo americano.

passámos de um mundo bipolar, dividido em dois blocos político-ideológicos e económicos para um mundo multipolar, com uma geometria variável de relações político-estratégicas e, sobretudo, uma grande alteração nos aspectos económicos e culturais.

o mundo pós-guerra fria começou por ser um mundo americano. derrotada a união soviética, o poder de washington apresentava-se como hegemónico, se não único, nas várias áreas em que o poder se exprime. eram a maior economia e a maior potência.

no plano militar e estratégico tinham uma vantagem quase absoluta, quer no comando e controlo, quer na logística e operacionalidade das suas forças. e estavam à frente de todos, na concepção e uso das tecnologias militares avançadas.

esta superioridade contou nas guerras convencionais do golfo e do iraque e em conflitos localizados nos balcãs. mas não resultou no afeganistão. e no iraque, serviu apenas para conter a guerra civil e dar espaço à ‘iraquização’ do conflito.

a economia dos eua, atingida pelas consequências tardias da crise, mantém-se em banho-maria, a dívida cresce, os orçamentos militares reduzem-se.

será isto bastante para a afirmação de novos poderes, saídos desse ‘grupo dos quatro’ que dá pelo nome de bric, iniciais dos países que o compõem? são estados com grandes territórios (8.500,000 o brasil, 17.000,000 a rússia, 3.300,000 a índia, 9.600,000 km2, a china) e populacionais: (200 milhões de habitantes o brasil, 140 a rússia, 1.200 a índia, 1.350 a china. as economias dos bric em conjunto, representam cerca de 15% do pib mundial.

os estados unidos andam perto dos 24% desse produto mundial, seguidos pelo japão com 8%.

destes bric, a china, estado nacional-autoritário de partido único, terá que compatibilizar, em algum momento, a prosperidade económica da classe média com as liberdades públicas; a índia será por muito tempo uma sociedade dualista, com grandes indústrias e aldeias pré-medievais; a rússia vive das exportações de energia – petróleo e gás – e tem os problemas políticos duma democracia oficial dominada por um poder pessoal. estes estados têm, activos ou latentes, problemas de minorias ou tensões étnico-religiosas.

o brasil é o mais equilibrado destes poderes. é um estado nacional, sem dissidências étnicas, políticas e religiosas; é auto-suficiente em energia, comida e água; tem um sistema democrático que, bem ou mal, funciona. e corrigiu nos últimos 40 anos muitas das assimetrias regionais e sociais que faziam dele uma sociedade adiada.

finalmente tem uma cultura criativa com os melhores escritores da língua portuguesa, a melhor música do mundo, grandes jornais. e grandes espaços e maiores sonhos. foi a única descolonização que fizemos sem interferência da comunidade internacional.