maçãs e laranjas
no ano passado tivemos o privilégio de ver a primeira parte da exposição intitulada a perspectiva das coisas. a natureza-morta na europa, na fundação calouste gulbenkian. lembro-me de querer ver o que se seguiria, pois o tema não se esgotara no século xviii. teria de esperar pela segunda parte, que agora chega à mesma galeria e que aí pode ser visitada até dia 8 de janeiro. desta vez não aconteceu ficar atónita frente aos quadros. talvez por a técnica de reprodução fiel dos objectos ter dado lugar a versões mais dependentes da interpretação de quem as pintava. talvez a profusão de subjectividade não suscite tanto o pasmo. não digo que a técnica desaparecesse e que, a partir do século xx, tenha valido tudo. seria um insulto a picasso, matisse, cézanne, qual dos três o mais talentoso. mas é claro que o interesse pelo tema mudou. talvez a obra que reflicta melhor o exibicionismo nos quadros dos séculos xvii-xviii seja still life, or five o’clock, de philippe rousseau. por ser diferente não concorre com os girassóis, de monet e o deslumbrante ramos de castanheiro em flor, de van gogh. o meu preferido? maçãs e laranjas, de cézanne. foi tão bom vê-lo ao vivo.
medo
aconteceu em seattle. um homem usou gás pimenta para separar outros dois que andavam à pancada. a polícia descobriu que, além de estar vestido como um super-herói, benjamin fodor na vida civil tem phoenix jones como nome artístico. não é o único que trabalha como super-herói nos tempos livres. são às centenas e até têm um site próprio: www.reallifesuperheroes.org. outros preferem trabalhar em grupo, como os michigan protectors. a polícia não gosta destes vigilantes excêntricos. percebo perfeitamente. os defensores da lei amadores tiveram mais exposição depois de kick-ass, um filme simpático da mtv, em que um adolescente sem super-poderes de nenhuma espécie tenta pôr o seu bairro em ordem. o filme era esquisito. apesar de a história ser simpática, a extrema violência exibida era chocante. estes novos defensores da lei vestem-se como os heróis da marvel, acreditam que podem fazer a diferença e até têm uma carta de princípios que pode ser lida no site. é bem-intencionada e ao mesmo tempo arrepiante. entre outros objectivos, afirmam desejar cumprir e defender a lei, ajudar os necessitados e ainda querem criar um amanhã melhor. assustador.
episódios
cada vez mais o tempo que passamos a ver televisão deve ser mais bem empregue. o problema desta frase é estar tão certa para mim como está para um espectador da anatomia de grey, uma das séries mais chatas de que tenho memória. eu acho que é uma perda de tempo. o dito espectador que não conheço acha que não percebo nada do que é bom. já viram como uma breve conversa imaginária pode criar um conflito insanável? prefiro apresentar um novo gosto e deixar que cada um decida se partilha dele ou não. falo de episodes, uma série de apenas sete episódios de meia hora cada, que o canal fx teve a bondade de transmitir. beverly e sean lincoln são um casal de argumentistas britânico que vai para los angeles fazer uma adaptação de uma série da sua autoria com sucesso em inglaterra. a adaptação parece correr melhor para sean do que para beverly, que a cada ensaio suspira por voltar a casa. episodes teve um sucesso moderado nos estados unidos, mas matt leblanc, homónimo da melhor personagem da série, um brutamontes com um gosto sofisticado, teve a sua primeira nomeação para um emmy. a boa notícia é o anúncio da segunda temporada, desta vez com a promessa de nove episódios.
um descarado de harvard
steven pinker é um psicólogo evolucionista. se quiserem uma explicação abreviada, imaginem um darwinista moderno. num artigo publicado na revista prospect, pinker insiste nas maravilhas do mundo moderno e afirma que, se tivesse poder, proibia que se falasse do passado como tendo sido melhor do que o presente. enumera evidências como as novas tecnologias, o progresso da ciência, etc. mas tudo piora quando defende que o ser humano é menos violento agora. assim como a ciência, a moral humana também progride. suponho que se eu vivesse numa penthouse em manhattan e estivesse a beber uma flûte de champanhe millessimé até achava alguma graça ao bom do steven, sobretudo quando compara os números das matanças noutros séculos anteriores ao nosso. a retocar o batom, soltaria um riso confiante, tranquilo e sincero quando lesse que a democracia nos trouxe uma paz duradoura. aqueles que morreram pela nossa vida em liberdade não contam. os assassínios em massa no ruanda, na ex-jugoslávia, os bombistas suicidas, as guerras pelo petróleo, as vítimas do tráfico de droga não contam. essa violência acontece fora, na periferia – nos subúrbios do mundo de steven pinker.
futebol vs. râguebi
o entusiasmo que dedico ao campeonato do mundo de râguebi de quatro em quatro anos é equivalente ao tédio que nutro por jogos de futebol a qualquer momento: são ambos genuínos. desta vez, no entanto, a ver a belíssima final entre a nova zelândia e a frança, percebi as causas das diferenças de reacção. a primeira tem que ver com o ritmo de jogo. apesar das diferenças manifestas entre as equipas de fiji e da argentina, por exemplo, o ritmo do râguebi é, em geral, sempre mais rápido do que em qualquer jogo de futebol. nenhum jogador de râguebi fica a engonhar nem demora a pôr a bola em campo. ora, o ritmo do râguebi é imposto pelas várias regras que impedem os jogadores de esmorecer, mesmo quando estão todos em cima uns dos outros a guardar ou a tentar roubar a bola num ruck que parece interminável. as duas características tornam o râguebi mais interessante para pessoas que não gostam de jogos lentos. há uma terceira: não há fingimento no râguebi. ao contrário das fitas que vemos no futebol, é impossível encontrar um segunda linha agarrado ao joelho a sofrer que não esteja genuinamente em risco de nunca mais andar. daqui a quatro anos vemos mais.