radicalismo
os perigos de uma vaga persecutória
a onda de moralismo radical que se vai seguir é algo perigosa.
a partir de agora, tudo e todos começam a ser ‘apontados a dedo’. li há dias na net referências àquilo a que tem direito a primeira figura de um dos órgãos de soberania. tem direito a carro? tem direito a motorista? já se questionava o direito a tais apoios e já se discutia a remuneração que a lei lhe confere.
os exemplos de abusos vêm de vários lados. são conhecidos dados do trabalho que elementos ligados à troika têm feito na análise ao crédito que os bancos conheceram nos últimos anos. sigilo bancário? pois! em portugal, hoje em dia, ainda não vale tudo – mas já vale muito que não deveria valer.
há créditos que não deveriam ter sido concedidos? sim. mas em nome dessa avaliação será legítimo que se revelem muitos dados cuja reserva deveria ser respeitada? penso que não.
há risco de uma vaga persecutória que atinja direitos legítimos e que pretenda impor igualitarismos que não existem em mais parte nenhuma.
lembram-se do irão dos ayatolas? lembram-se do tempo de khomeini? nessa altura, o então presidente bani sadr ia de autocarro para o palácio.
mas mesmo esse homem acabou exilado em paris, certamente por o seu espírito revolucionário não ser suficientemente puro.
os que vão tratando de situações avulsas ainda não perceberam que, por este andar, tudo vai ser questionado: reformas profissionais, pareceres, honorários, lucros, salários. de políticos, de empresários, mas também de jornalistas e de juízes, de universitários. entraríamos num género de ‘jacobinismo à la carte’.
ao fim e ao cabo, trata-se da concretização, pelos seus adversários, daquilo que o bloco de esquerda sempre lutou por conseguir.
quero lembrar que há mais de uma semana fui o primeiro a dizer que as subvenções aos ex-titulares de cargos políticos deveriam ser suspensas, pelo menos, enquanto durar a austeridade. no mínimo, terão de sofrer reduções muito maiores do que as penalizações maiores para a função pública. e, quando quem as recebe esteja na idade activa e tenha outros rendimentos, são injustificadas e injustificáveis, principalmente em tempos como estes.
essa é uma medida razoável. daí à raiva populista é uma distância muito longa que não deve ser percorrida. bom senso impõe-se – especialmente em alturas de agitação colectiva.
calculismo
os mercados atacam um país de cada vez
alguém pensa que itália, frança e espanha só agravaram as suas situações económicas depois do auxílio a portugal? alguém acredita que só passaram a suscitar preocupação nos últimos seis meses? e portugal foi uns meses depois da irlanda. e não vamos incluir nesta lista a grécia…
o que pode concluir-se é que os mercados são mesmo selectivos. parecem programados. preocupam-se à vez. dois ao mesmo tempo é complicado. tem sido, pois, um de cada vez.
as notações das agências de rating, as variações nos mercados de capitais, as alterações nos juros das dívidas soberanas, tudo se junta para lidar com um país de cada vez. tem lógica? tem alguma! mas com uma cadência sempre igual? os mercados nunca dão pela anomalia das situações antes das agências de rating?
o que tem acontecido com os países sujeitos a intervenção, ou sob tal ameaça, não sucede por acaso. é o sistema internacional em desequilíbrio a tentar reagir aos factores negativos.
o caminho de sustentação da grécia, a tentativa de segurar a zona euro, são passos subsequentes às decisões sobre grécia, portugal e irlanda, e aos avisos solenes a itália e espanha.
a ‘mão invisível’ existe mesmo. sem ela, a economia de mercado não poderia subsistir. mas há, sem dúvida, umas mais invisíveis do que outras.
o conselho da zona euro desta quarta-feira pode marcar o início da construção do governo financeiro e orçamental nesta região. se assim for, a alemanha assumirá, finalmente, o papel liderante que há tanto tempo vem construindo.
desportivismo
aplaudir a equipa na derrota
vi, recentemente, dois clubes ingleses serem humilhados pelos seus adversários e serem aplaudidos, no final, pelos seus adeptos.
assim aconteceu no manchester united-arsenal, em que a equipa de nani ganhou por 8-2. foi extraordinário: no final, os adeptos do arsenal que estavam em old trafford bateram palmas aos seus jogadores… embora fora de casa, não se coibiram de mostrar a lealdade às ‘suas cores’.
este fim-de-semana foi aquilo a que alex ferguson chamou a pior derrota da sua vida: a derrota por 1-6 com o manchester city. no próprio estádio, frente ao grande rival da mesma cidade, tratou-se de uma situação verdadeiramente vexatória. pois, no final, os adeptos do manchester united aplaudiram a sua equipa.
tais reacções seriam impossíveis em portugal.
para além disso, que se saiba, não houve em nenhum dos dois clubes qualquer movimento sério a pedir a substituição do treinador.
aliás, trata-se exactamente de dois treinadores famosos, também, por estarem há muito tempo nas mesmas funções. alex ferguson é treinador do manchester united há 25 anos e arsène wenger do arsenal há 15 anos.
a longevidade destes dois treinadores tem sido muito frequentemente referida. mas a reacção dos adeptos ingleses, em tempo de desfeitas, não tem sido suficientemente enaltecida.
não ignoro o hooliganismo e outros fenómenos equivalentes em inglaterra, mas há cada vez menos situações censuráveis nas bancadas de estádios com adeptos ingleses. o que mais se vê é espectáculo, vibração, entusiasmo.
a importância do que aqui refiro não tem só a ver com o futebol. reflecte a mentalidade de um todo comunitário. traduz uma arrumação adequada de valores e prioridades. mostra uma determinada formação na maneira de tratar os que são ‘da família’.
nestas matérias, tudo tem a ver com tudo. em portugal, depois de derrotas como essas, haveria, no máximo, silêncio. palmas? nunca!
já impressiona ver em inglaterra tantos estádios com lotação esgotada. junte-se a qualidade dos jogos e a tal fidelidade dos adeptos mesmo quando perdem – e imagine-se a diferença.
é que não gostam menos de futebol do que nós; não jogam pior do que cá – e mesmo assim compreendem, aceitam melhor do que nós os resultados desfavoráveis.
sei que não é possível. mas que bom seria se os portugueses pudessem olhar para esses exemplos e meditar no que eles representariam para vários domínios da nossa vida colectiva!