horror
as imagens televisivas da morte violenta de muammar kadhafi invadiram as nossas casas. não houve dia em que não fôssemos obrigados a ver a brutalidade da morte do ditador líbio. penso que a exibição das imagens foi suficientemente criticada e concordo que o desejo de as repetir ad nauseam tem que ver com a exploração do pior que há no ser humano. os vícios são úteis quando chega a hora de ganhar dinheiro. só tenho um ponto a acrescentar à conversa que vai longa e que corre o risco de se tornar mais sobre o papel da comunicação social do que sobre a amoralidade da guerra. a guerra é para muitos como o frango embalado no supermercado. sabemos que o animal tem outro aspecto quando anda à solta pelo campo, mas não nos lembramos dele. o ponto menos negativo da repetição das imagens é a exibição nua e crua da irracionalidade odiosa da guerra: a sobrevivência ali depende de matar quem matou e nos quer matar. haverá inferno pior? o que teriam feito a hitler caso o tivessem capturado com vida? a diferença teria sido não haver telemóveis para filmar a cena e descarregar no youtube. a guerra é uma coisa horrível. e é indiferente se é feita por ‘nós’ ou por ‘eles’.
voltar à fala
há tempos aconteceu algo impensável. estava quase a enviar um email a uma amiga quando olho para o computador e não me apetece. optei por falar com ela ao telefone sem me passar pela cabeça que podia enviar uma mensagem. a partir deste momento a minha vida passou a ser uma constante alegria verbal. continuo a usar as tecnologias por escrito ao meu dispor, mas voltei a usar o telefone para fazer chamadas. uma das vantagens do regresso a um hábito esquecido é apagar os motivos por que o abandonámos. não faço ideia por que quase deixei de falar ao telefone e como aconteceu passar à comunicação escrita. talvez por causa da mistura da novidade do próprio meio com a criação de novos hábitos na população cibernauta. acontece que comunicar através da leitura e da escrita é bom mas cansa. talvez tenha acontecido o mesmo quando decidimos viver por escrito: estávamos cansados de falar ao telefone. numa sondagem realizada num universo de 12 pessoas, percebi que os modos de comunicação preferenciais são a chamada telefónica e as mensagens directas no twitter e no facebook. sms e email estão out. até sei de casos de pessoas que se encontram para conversar. é espantoso…
seremos ziliões
danica may camacho foi recebida pelo mundo como o bebé número sete mil milhões. ou sete biliões, para os ingleses, americanos e não só. a rapariga foi escolhida por ter nascido em manila, cidade eleita pelas nações unidas para assinalar este marco importante na demografia mundial. houve milhares de bebés a nascer no mundo inteiro naquele dia 31 de outubro, por isso o número sete mil milhões não é exacto como, aliás, não podia ser. danica recebeu uma bolsa de estudo e aos pais foi dado dinheiro para abrir uma loja. o dia foi de festa e alegria para esta família. mas, segundo o guardian, foi também uma oportunidade para protestar. os bebés seis mil milhões, adnan nevic, da bósnia herzegovina, e cinco mil milhões, matej gaspar, da croácia, queixaram-se das nações unidas e acusaram a organização de nunca mais lhes ter ligado nenhuma desde o seu nascimento. num minuto kofi annan estava a segurar no recém-nascido e no outro estava despachado e metido no avião pronto para regressar a nova iorque. deve ser estranho nascer numa espécie de reality-show instantâneo apadrinhado por uma instituição defensora dos direitos humanos e da paz mundial. bem-vinda, danica.
todos suspeitos
a história do bom pai, bom marido e bom vizinho, excelente pessoa e muito simpático, que se vem a descobrir ter morto uma série de gente, é mais comum do que imaginamos. mary ellen o’toole, especialista em perceber o modus operandi e a personalidade dos assassinos (aquilo que conhecemos como um profiler), trabalhou durante trinta anos no fbi e interrogou homicidas, entre os quais o conhecido terrorista unabomber, responsável por vários atentados à bomba nos estados unidos. em comum tinham uma característica: eram todos agradáveis, não diziam asneiras, não partiam um prato. o’toole acaba de publicar um livro intitulado dangerous instincts, com as conversas com os assassinos e algumas curiosidades sobre o trabalho dos investigadores. segundo a ex-agente do fbi, o erro mais frequente dos agentes era confiarem no seu instinto. por candura ou confiança a mais, era comum libertarem os suspeitos pacatos só por terem aquela atitude. o’toole fala de eventos passados entre meados da década de 70 até ao início dos anos 90. foram vinte anos a confiar em carinhas larocas. nada disto é novo, mas perturba quem está habituado a associar um sorriso louro a uma índole pacífica.
1,000,000,000,000
desde o anúncio da dívida dos estados unidos que temos ouvido falar não em milhões, nem em biliões, mas em triliões. parece que o fundo de resgate europeu é agora de um trilião de euros (ou 880 biliões de libras ou 1,4 triliões de dólares). mesmo decomposto para o nosso sistema é muito difícil perceber o que é este 1 seguido de doze zeros. já tínhamos dificuldades suficientes em perceber aquilo que no sistema inglês e americano era um bilião. para nós correspondia a mil milhões. demorámos a perceber mas tanto nos falaram em dívidas de dois mil milhões de euros ou cinco mil milhões de euros que lá tivemos de concluir que não era uma piada. agora chegámos ao bilião: àquele que para no sistema inglês corresponde ao trilião. mesmo assim, com a certeza dos nove zeros no caso dos mil milhões e dos doze zeros no caso do milhão de milhões, continuamos sem saber que valor é este que parece não ter solução. faz lembrar uma cena engraçada de um filme do austin powers, em que dr. evil, depois de estar décadas congelado, pede um milhão de dólares para não rebentar com o mundo e todos se riem porque é muito pouco dinheiro. nada como exigir um trilião para ser levado a sério.