insolvência
a dívida da califórnia
se fosse independente, a califórnia seria a oitava maior economia do mundo. e está, também, num estado deplorável. a dívida pública atingiu níveis muito preocupantes.
o mundo conhece pouco do estado a que chegaram as finanças de vários estados da união e, também, a situação de falência de muitas cidades norte-americanas.
por exemplo, os encargos com os fundos de pensões dos seus funcionários dinamitaram, por completo, a sustentabilidade orçamental dessas entidades públicas.
percebe-se cada vez melhor a razão pela qual o presidente obama fala cada vez mais da crise na europa, com ar muito preocupado: ele está muito pouco interessado em que o mundo, e concretamente a europa, reparem no nível preocupante da crise americana.
como lembra a edição de novembro da excelente revista vanity fair, num interessante artigo sobre a califórnia e algumas cidades dos eua, em 14 de dezembro de 2010, uma analista de wall street, meredith whitney, levantou a explosiva questão da incapacidade de estados e cidades americanas para cumprirem as suas dívidas. foi muito contestada – e houve um grande debate sobre a matéria. mas, meses passados, já ninguém duvida do grau de complexidade da situação.
meredith whitney conduziu uma investigação em que procurava comparar os estados norte-americanos uns com os outros quanto à debilidade ou consistência das respectivas realidades orçamentais. procurou saber qual, de entre eles, faria o papel da grécia e qual poderia ter o estatuto de uma alemanha. e quando lhe foi perguntado qual era o estado mais assustador, ela respondeu: «califórnia».
é certo que as previsões que fez sobre a ruptura dos mercados de obrigações das municipalidades ainda não se confirmaram. mas isso não pode contornar a frieza das realidades que denunciou.
como é sabido, a califórnia foi governada oito anos por arnold schwarzenegger que, há poucos anos, era considerado um futuro grande candidato à presidência dos eua. sem dúvida que levou a cabo uma importante política energética, muito assente no desenvolvimento de energias renováveis, nomeadamente a eólica e a solar. nesse caminho contou, aliás, com o apoio entusiástico da sua mulher, maria schriver.
mas de repente tudo se desmoronou, e os efeitos de outras medidas que tomou endividaram a califórnia e levaram-no a sair sem honra nem glória.
enfrentou ainda o pedido de divórcio daquela que é, também, membro da família kennedy, a situação chegou a tal ponto que os democratas ‘limparam’ eleitoralmente um estado conservador como este. o estado de que ronald reagan também foi governador.
consistência
procurar alternativas ao capitalismo
a califórnia é um dos muitos exemplos dos sonhos desfeitos, apesar da propaganda que os rodeou e do apoio que o sistema lhes dá. não sei se as ilusões criadas por obama não ruirão também, muito em breve.
o mundo precisa de consistência e de profundidade nas propostas. a esse propósito, quero hoje referir portugal: ensaio contra a autoflagelação, recentemente publicado por boaventura sousa santos (almedina, maio 2011).
independentemente de simpatias pessoais ou políticas, o autor dá um excelente contributo para sustentar uma ideia básica mas que muitos teimam em não aceitar: é o modelo político-económico que está em causa e têm de ser apresentadas alternativas consistentes.
nesse ensaio, são lembrados os casos da argentina em 2003, do equador em 2007 e da islândia em 2009. com estes exemplos, sousa santos procura contestar a ideia de se aceitar, resignadamente, o peso esmagador das dívidas.
a argentina, a certa altura, rompeu com o fmi mas fez questão de seguir a trajectória de ajustamento; o equador constituiu uma comissão para auditar a dívida e concluiu que parte dela era ilegal e inaceitável; a islândia recusou-se a pagar a que considerou especulativa e o caso segue nos tribunais.
boaventura fala em soluções extra-institucionais e, nalgumas passagens, quase inclui apelos à subversão a que apela de ‘mobilização social’. teoriza sobre a conveniência de se experimentar um governo mesmo ‘de esquerda’ entre o ps, o pcp e o bloco de esquerda… goste-se ou não, sustenta uma alternativa. sustenta e fundamenta-a.
portugal, a europa e o mundo precisam disso mesmo: de alternativas às ‘cartilhas’ actuais.
‘à esquerda’, ‘ao centro’ e ‘à direita’ novos modelos têm de surgir. não é só o pensamento capitalista que foi posto em causa. antes dele, as ideologias socialista e comunista esboroaram-se com a queda do muro de berlim, e o que antecedeu esse ano de 1989 do lado de lá dessa linha divisória.
pela minha parte, a propósito de responsabilidades, já em 2005 assumi medidas contra as parcerias público-prívadas no sector rodoviário, aprovei uma nova e importante lei do arrendamento (que ajudaria a introduzir racionalidade no sector imobiliário) e tomei decisões duras para o sector financeiro. mas o ‘circo’ não quis. preferiram continuar no ‘espectáculo’, misto de trama e de drama.
inteligência
woody allen e a promoção a paris
apesar de tudo isso, mesmo os progressistas ou anarquistas continuam a tornar-se cada vez mais capitalistas.
o filme meia-noite em paris, de woody allen, é uma grande promoção da capital francesa. depois de vicky cristina barcelona, com ligação à capital catalã, agora é este belo trabalho de fotografia e imagens soberbas da ‘cidade luz’. diz-se que se seguirá berlim.
o argumento parte de uma ideia quase genial em que se revisitam várias épocas da história de frança e grandes nomes da sua cultura. ou nomes da cultura de outros países que, mais uns que outros, procuraram a magia daqueles salões ‘das luzes’.
woody allen encontrou aqui, certamente, uma excelente maneira de fazer a ‘montagem financeira’ dos seus filmes, com a promoção que faz de importantes cidades. neste, como se sabe, até carla bruni, primeira-dama de frança, tem um papel.
em minha opinião, trata-se de um filme que vale a pena ver. julgo que antes recomendei – neste e noutros espaços – o inside job, um filme-documentário. também este pode ser assim considerado.
o inside job documenta o modo como o sistema financeiro entrou em ruptura e como os protagonistas tendem a manter-se para lá das crises. o de woody allen documenta como as elites gostam de paris e, acima de tudo, como gostam de si próprias e como as confusões sentimentais se vão mantendo iguais para lá das épocas.
o filme é muito interessante e distrai das notícias que vão agredindo, cada vez mais, a confiança de que as sociedades precisam para recuperar de fases complicadas como aquela que o mundo atravessa. normalmente, a arte anima o espírito. com este filme, isso acontece.