mas não aconteceu bem assim. sem império e desindustrializada, a europa tem que pagar caras as matérias primas (sobretudo as facturas energéticas) e já não faz coisas para exportar e com as mais-valias exportadoras pagar o que tem de importar para comer e para se locomover.
os estados unidos também têm a factura energética e deslocalizaram indústrias. os macro-inimigos nazi e soviético desapareceram mas há uma infinidade de criaturas do méxico ao médio oriente que odeiam a américa e vêem nela a culpada dos problemas.
nos países do primeiro mundo estão a entrar na rotina as manifestações dos ‘indignados’. a europa, herdeira do justicialismo cristão foi sempre o lugar das teorias e dos movimentos que contestaram as hierarquias estabelecidas da herança, do sangue ou do dinheiro.
com o fim dos modelos alternativos é a sociedade aberta do capitalismo liberal que mobiliza mais inimigos. porque essa abertura, a separação entre o público e o privado, os direitos individuais e outros pressupostos e valores de uma sociedade livre só se encontram se há um mercado livre nas decisões de compra e venda.
dito de outro modo, só há liberdade perante o poder político, se houver liberdade económica. mas quanto mais liberdade económica, maiores fortunas individuais e maiores desigualdades sociais.
a condição realista de existência consolidada de um regime liberal democrático é a existência de uma poliarquia social de vários e diferentes centros de poder e de influência: o governo, os partidos políticos, mas também as cidades, as empresas, as igrejas. todos com uma quota de poder, mas também com independência económica. os críticos contemporâneos da democracia, que a identificavam com a plutocracia, com governo dos ricos, tinham alguma razão.
os símbolos são importantes: o movimento dos ‘indignados’, ‘occupy wall street’, corresponde na esquerda, ao tea party, conservador populista. no fundo, uns e outros, reflectem a exasperação das camadas médias e baixas, perante as elites. os tea-parties focam a sua indignação na elite política de washington e capitol hill. os ‘okw’, nas elites financeiras e sociais, as tais ‘quatrocentas famílias’ que detêm mais riqueza da américa que os cento e cinquenta milhões de baixa classe média e pobres.
há 30 anos, quando ronald reagan chegou à casa branca, os culpados da decadência americana eram os ‘reguladores’, os burocratas, os políticos, que viviam à custa dos bons americanos empreendedores. no resto do mundo, o estado de bem-estar perdera popularidade.
três décadas depois, com o turbo-capitalismo globalizado, com as fraudes e as falências dos gigantes financeiros, com a bolha imobiliária, com a crise das dívidas soberanas, com os custos de tudo isto expostos e sentidos na bolsa dos europeus, os ‘ricos’ podem ser um bode expiatório. tanto mais que eles são um modelo para ilusões alimentadas pelas revistas sociais e pela fábrica dos sonhos do cinema e da televisão.
talvez por isso, entre os próprios, surgiu uma vaga de compaixão evangélica, com warren buffet a lançar a ideia do imposto especial sobre as grandes fortunas, logo imitado por outros mais socialmente responsáveis. ou só prudentes.
de qualquer modo é preciso repensar a questão do dinheiro e do poder político. e para relançar o debate é boa a frase de s. francisco de sales, «o dinheiro pode ser um bom servidor, mas é sempre um mau senhor».