O Mundo é, no entanto, demasiado complexo para que possamos identificar, detalhadamente, porque chegámos até aqui. Mais fácil será, porventura, equacionar o que deve mudar para que se consiga alguma redução de danos e, se possível, melhorias substanciais em matérias que têm uma importância inquestionável no nosso bem estar individual e colectivo.
Estando nós, neste momento, em plena fase de discussão do Orçamento do Estado (OE), é pena não ter tido a relevância devida uma Conferência realizada na semana passada, organizada conjuntamente pela Associação para a Inovação e Desenvolvimento em Saúde Pública e pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal, cujo Programa, integrado por duas partes distintas, consistia em analisar se o OE cumpria os requisitos de transparência que devem caracterizar esse exercício e que actos de cidadania poderiam colmatar aquilo que podem ser as insuficiências do Orçamento da Saúde, face aos constrangimentos de carácter financeiro que o País atravessa.
O primeiro dos temas é relevante no contexto nacional, uma vez que um estudo realizado pela OCDE em 1997, considerava que Portugal, num conjunto de cerca de quarenta países, se encontrava a meio da tabela no que toca à transparência do exercício orçamental. Decorridos todos estes anos, em que poderia esperar-se que já deveríamos ter percorrido um caminho no sentido de nos situarmos melhor perante um valor importante no que toca à qualidade da Democracia, as várias intervenções coincidiram no facto de que muito pouco se evoluiu nesse domínio.
Ora, se pode ser difícil, em prazo curto, evoluirmos em aspectos que estão relacionados com as nossas debilidades estruturais, porque lutar contra elas necessita de recursos vários, de anos de porfiados esforços e de estabilidade de políticas, já o mesmo não se passa com aspectos que apenas precisam de vontade e de respeito por boas práticas de natureza política, que colocam os países bem ou mal no ranking do desenvolvimento.
A melhoria de procedimentos na elaboração do OE que permita avaliar as escolhas políticas, as prioridades nos programas e que, em geral, obedeça aos procedimentos já hoje devidamente identificados, não custa dinheiro. E o mesmo se diga em relação à execução. Sobretudo em época de crise em que os rendimentos ‘certos’ dos cidadãos estão a ser postos em causa, é natural que o escrutínio sobre a forma como é gasto o ‘seu’ dinheiro, o dinheiro dos contribuintes, assuma uma enorme importância.
Apesar disso, a transparência continua a não ser praticada, como regra, e muito menos como cultura. Porquê?
Tenho para mim que tal se deve, em grande parte, ao facto de termos fraca intervenção cívica no sentido de exigirmos integridade na informação e nos procedimentos. E, no sentido de a reforçar, o papel das Universidades é importante. A sua autonomia , enquanto potenciadora da liberdade de pensar e de intervir , constitui um valor a preservar.
O programa que achei por bem aqui evidenciar, não se esgotou na análise das nossas maleitas em política orçamental.
Partindo do emagrecimento, já conhecido, do financiamento que o OE prevê para o Serviço Nacional de Saúde para o próximo ano, um conjunto de pessoas que há décadas investe no aprofundamento do que poderá ser considerado como o grande sucesso da nossa democracia, entendeu que não deveria ficar de braços cruzados perante as possíveis consequências negativas de tal situação.
Tomou, portanto, a iniciativa de conceber um projecto que reunisse um conjunto alargado de pessoas para uma intervenção cidadã que contrariasse os prováveis efeitos negativos a que a insuficiência de financiamento poderá conduzir. Foi à apresentação desse projecto que se dedicou a segunda parte do referido Programa. Partiu-se da proposta de criação de uma Fundação ou de uma entidade de outra natureza, que aproximasse pessoas de diferentes quadrantes políticopartidários que tivessem em comum a noção da importância do desenvolvimento do SNS ( Serviço Nacional de Saúde) e contribuíssem para a afirmação da modernização e inovação no seu âmbito. Tal seria conseguido através de um estreito relacionamento com as autoridades de saúde, embora delas independente, não só através da recolha de contributos financeiros, mas mediante um conjunto de acções no domínio da literacia em saúde, da divulgação do enorme potencial das actividades económicas neste campo de actividade, bem como na afirmação da ética da relação em saúde. Esta iniciativa recebeu uma adesão espantosa que encerra um enorme significado: o de que existe um espaço disponível para a intervenção cidadã que deve ser estimulado, que representa um recurso de difícil avaliação económica, mas de valor social incomensurável, que pode e deve fazer toda a diferença.