Winslet e Haynes

É mais fácil, bem mais fácil, quando se tem Kate Winslet. Mildred Pierce, mini-série da HBO premiada nos Emmy e actualmente em exibição na Fox Life, não seria metade do que é sem a brilhante interpretação de Winslet.

e, já agora, nem metade dessa metade sem o excelente trabalho do realizador todd haynes, homem com um fraquinho muito especial por famílias à beira da ruptura, o sonho americano de casa nos subúrbios a desfazer-se com o peso do dia-a-dia até chegar à implosão. tinha sido assim no filme longe do paraíso, numa evocação clara e soberba do cinema de douglas sirk, é-o agora novamente, mas menos dilacerado, em mildred pierce.

localizada na ressaca da grande depressão, a história de mildred pierce, mãe de duas filhas e mulher de ficar em casa a fazer tartes enquanto o marido trabalha para o sustento familiar, arranca desde logo com o seu momento de emancipação ao recusar-se a adoptar o papel de mulher traída. a partir daí, mildred luta para manter um delicado equilíbrio entre a mulher que sai de casa e se liberta, mas que ao mesmo tempo se vê obrigada a preservar uma imagem imaculada junto das filhas – escondendo, por isso, as relações amorosas ou um emprego de empregada de mesa em que leva humilhantemente gorjetas para casa. este braço-de-ferro entre o papel de mãe e o de mulher, entre a virtude do exemplo imaculado e o orgulho de uma vida independente, torna-se a mais interessante das questões levantadas pela série de haynes que adapta o livro de james m. cain.

e mesmo não atingindo o brilhantismo apregoado, a verdade é que mildred pierce está muitos furos acima das habituais produções televisivas com uma história para contar. e não é de todos os dias o prazer de ver winslet e haynes rendidos à corrente pujança criativa do pequeno ecrã.