Juiz acusado por irmão de o ameaçar com arma de fogo

O Conselho Superior da Magistratura vai apreciar, no próximo dia 14, uma situação invulgar pela sua gravidade: um dos seus inspectores judiciais, nomeado para avaliar e fiscalizar o trabalho dos juízes nos tribunais, é ele próprio alvo de uma queixa disciplinar, por factos e comportamentos questionáveis.

a queixa foi apresentada por uma juíza de famalicão, paula carvalho e sá, que acusa o inspector judicial, o desembargador francisco marcolino de jesus, de não ter condições para exercer tal função e de a perseguir através de participações disciplinares. o juiz está envolvido – ora como queixoso, ora como denunciado ou arguido – numa série de casos e de conflitos judiciais em bragança, distrito de onde é natural e cujos juízes lhe cabe inspeccionar. já houve, pelo menos, dois juízes que pediram para não terem de decidir um processo em que marcolino de jesus surgia como assistente – invocando que estavam sob a sua alçada em termos de inspecção.

ao todo, são pelo menos sete processos em que o juiz surge como ofendido e um como arguido. neste, movido por um irmão, francisco marcolino de jesus admitiu que, durante uma discussão entre ambos, lhe mostrou a arma que trazia no coldre, à cintura, como forma de intimidação.

 

‘encostou-me a arma à cabeça’
o irmão, amílcar de jesus, tem uma versão diferente: «ele não me mostrou a arma, ele encostou-me a arma à cabeça. e disse-me ‘estouro-te os miolos!’», recordou ao sol, acrescentando que fez queixa no supremo tribunal de justiça e no conselho da magistratura.

o juiz nega que alguma vez tenha dito tal coisa e explicou ao sol que, na altura desse episódio, março de 2008, andava armado porque tinha sabido que um indivíduo que condenara anos antes tinha saído da cadeia e «andava a dizer que havia de matar o juiz». de resto, reconhece um outro episódio contado pelo irmão: há cerca de 15 anos, também numa discussão familiar, este chamou-lhe «corrupto» e o juiz deu-lhe voz de prisão, «o que é perfeitamente legal», diz. a prisão só não se concretizou porque uma irmã o impediu de chamar a gnr.

na origem da cena da arma com o irmão esteve uma discussão por causa de uma empresa familiar, fundada pelo pai de ambos e em que os filhos detêm quotas – a marcolinos, sociedade industrial de estanhos, que tinha por objecto a exploração de minas e o transporte de mercadorias. a disputa foi desencadeada pelo facto de o juiz, apoiado pelo pai e outros dois irmãos, querer que o objecto e denominação social da empresa fossem alterados de forma a incluir a realização de «serviços aéreos».

numa declaração junta à acta da assembleia geral da empresa, os sócios (incluindo o juiz) afirmam que o objectivo era o de poder registar a favor da empresa um avião que francisco marcolino de jesus comprara, por 25 mil euros, a meias com um empresário da zona, horácio sousa, dono do intermarché de bragança. estando o avião em nome de uma empresa, poderiam beneficiar de «preços mais baixos do combustível em espanha». nessa declaração afirma-se ainda que o avião, um cessna 172, seria registado em favor da firma, mas que todos os sócios «reconhecem que a aeronave é de exclusiva propriedade de francisco marcolino de jesus e de horácio ribeiro de sousa», devendo transferir para estes a sua posse, quando eles a solicitassem. «não havia prejuízo fosse para quem fosse», alega o juiz.

 

mulher foi sócia de arguido em imobiliária
noutros processos, o juiz desembargador francisco marcolino de jesus foi referido por indivíduos condenados por tráfico de droga como sendo uma pessoa das suas relações e que lhes conferiria protecção (uma afirmação que um deles fez, inclusivamente, junto do fbi, quando detido nos eua). o magistrado processou-os por difamação e injúrias, tendo os mesmos sido condenados. mas um deles – de nome duarte ‘lagarelhos’ –, foi sócio da sua mulher numa imobiliária de bragança, tendo-lhe esta vendido a quota em 2000.

 

‘situação é paradoxal’
trata-se de casos «que em nada promovem a imagem de recato e serenidade indispensáveis ao exercício das funções» – conclui a magistrada paula carvalho e sá, na participação que entregou aos membros do conselho da magistratura no dia 12 de outubro. o conselho, que é o órgão máximo de gestão e disciplina dos juízes, já em setembro de 2008 tinha apreciado a conduta do juiz, na sequência da queixa feita pelo irmão amílcar e que inclui os casos da arma e do avião – mas decidiu arquivar, por nove votos contra seis. na opinião que fez maioria, os factos não apresentavam «suficiente repercussão pública» para terem relevância disciplinar.

a juíza tem um conflito com marcolino de jesus, que foi nomeado pelo csm para lhe instruir um processo disciplinar (instaurado por alegada violação do dever de correcção para com um outro inspector judicial). durante a instrução desse processo, queixa-se a magistrada, marcolino de jesus fez nova participação contra ela, levando a que a sua avaliação – que segundo o sol apurou, tem proposta de muito bom – esteja suspensa, não podendo progredir na carreira. é uma situação «paradoxal», salienta a magistrada, que o juiz marcolino de jesus «se mantenha em funções numa área de inspecção que compreende o tribunal onde pendem vários processos judiciais em que o mesmo é parte, e apesar dos comportamentos relatados».

o juiz é uma figura conhecida em bragança: em 2005, suspendeu funções e candidatou-se a presidente da câmara pelo ps, tendo sido derrotado. foi ainda vogal do conselho de justiça da federação portuguesa de futebol. o conselho da magistratura nomeou-o inspector judicial em junho de 2010, estando já na lista de graduações para integrar nos próximos anos o supremo tribunal de justiça.

o juiz, contactado pelo sol, diz que está a ser alvo de uma vingança: «eu apurei coisas gravíssimas em relação a essa magistrada e, por isso, ela está ressabiada. espero e desejo que seja expulsa da magistratura, na sequência dos factos que já participei ao conselho. mas garanto que este vasculhar da minha vida privada vai dar processo».

paula.azevedo@sol.pt