José Alberto Carvalho: ‘A contemplação muda-nos’

José Alberto Cravalho, director de informação da TVI, em entrevista ao SOL.

ainda está em estado de graça na tvi?

nunca olhei para mim nem para o meu trabalho dessa maneira. acho que não carecemos de estado de graça, carecemos de ideias, de projectos, de capacidade de argumentação e de execução.

havia uma grande expectativa na redacção antes da sua chegada. respondeu a essa expectativa?

não faço ideia. não fui eu que a criei. não é uma coisa com que me preocupe.

mas não sentiu que havia expectativa da parte dos jornalistas?

sempre moderei as expectativas. sempre disse que qualquer projecto editorial na tvi, no sentido da criação de uma maior relação de confiança, de proximidade e de credibilidade junto da opinião pública, seria um projecto muito longo. e sempre disse, mantenho, reafirmo e renovo que nós seremos julgados pelo melhor jornalismo que formos capazes de fazer. e isto não é o director que o faz. o director de informação tenta reunir as condições, as equipas, as estratégias para que isto seja possível. depois, está nas mãos de cada jornalista, de cada repórter, de cada editor, em cada notícia, em cada imagem. a televisão não é um milagre, é um esforço colectivo brutal.

a redacção da tvi passou por momentos de turbulência. depois, chegou uma nova direcção e, agora, saem notícias de que vão sofrer cortes…

isso não é verdade.

o que não é verdade? não haverá cortes?

a tvi está a preparar o orçamento para 2012, o ano mais difícil das nossas vidas. e, como todas as empresas e todas as famílias, está a ajustar a realidade à realidade do mercado. este é o ponto de partida – sensato, honesto e inevitável. o que existe é um exercício de constatação da realidade: o mercado diminuiu. muito. milhões, nos últimos meses.

o zé alberto da tvi está mais próximo do zé alberto que trabalhou na sic ou na rtp?

não olho para mim dessa maneira. mas também nunca meditei sobre isso. acho que correspondem a momentos diferentes da minha vida, da minha carreira, da maneira como eu olho para mim próprio, como eu me encaro a mim próprio e como encaro os outros. não são comparáveis.

como se encara a si próprio neste momento?

[pausa e risos] as pessoas cujos pensamentos mais admiro têm alguns traços em comum comigo, que é a disponibilidade para o mundo e para os outros. disponibilidade no sentido de: eu gosto de ser surpreendido, a mudança é algo que provoca uma angústia desafiante, estimulante.

mas já construiu a sua marca no canal?

não, de todo. nem era suposto. quer dizer, estamos a falar como rosto do jornal? já há poucas pessoas que se lembram de qual era o nome do noticiário antes do jornal das 8. o que aconteceu nos últimos meses foi uma mudança muito significativa, que foi possível com a generosidade e o empenho da redacção e da empresa. e não tenho nenhuma dúvida de que, nos últimos seis meses, a informação que marcou a vida dos portugueses passou na tvi. nenhuma, nenhuma, nenhuma.

então a sua marca na tvi passa por isso.

claro. desde o início. queríamos alterar o perfil editorial da tvi e estamos a fazê-lo.

sempre foi considerado uma figura consensual na apresentação. é essa a imagem que quer transmitir?

é uma das imagens. não é a única. aquilo que quero é ser claro para as pessoas e fazer com que elas se entusiasmem e se apercebam de assuntos que normalmente iriam desvalorizar.

é por isso que os seus pivôs são mais explicativos, mais longos?

os meus textos são construídos de outra maneira.

essa atitude está mais perto da escola norte-americana?

há uma diferença enorme entre o story telling do jornalismo norte-americano e o jornalismo português. uma diferença brutal. mas isso tem a ver com a construção do discurso dos apresentadores e com o discurso dos repórteres. mas estamos a falar de que canais? é que, na televisão norte-americana, há uma enorme diferença entre as networks e os canais de notícias no cabo. o wolf blitzer no situation room, da cnn, conta histórias do princípio ao fim. o anderson cooper fala que nunca mais acaba.

a televisão deve ser uma conversa com o espectador?

a televisão deve ser uma narrativa. a televisão é uma narrativa. há muitas pessoas que acedem à informação por vias completamente diferentes e a televisão tem de diferenciar-se.

através da proximidade?

por exemplo. a televisão conversa com as pessoas. a internet não.

trabalha todos os pivôs que apresenta num noticiário?

tento trabalhá-los quase todos. com o acumular de funções, nem sempre é possível. infelizmente para mim, porque fico muito angustiado quando isso acontece.

porque é que não faz reportagem?

porque não tenho tempo. mas não me angustia rigorosamente nada. cheguei à apresentação através do percurso como repórter, mas não sinto especial necessidade de me afirmar por aí. não tenho nenhum problema com a reportagem. agora, não consigo fazer tudo e há pessoas disponíveis para isso à minha volta. mantenho a minha atitude de base como repórter, que é estar disponível para os outros. eu gosto de me surpreender com a vida. mesmo que isso signifique surpreender-me da pior maneira. gosto do inebriante fascínio de descobrir que há uma coisa nova. que algo mudou. jornalismo, mudança, notícia, é tudo a mesma coisa. é vida.

como é ser director de informação e pivô do principal jornal da estação?

faço isso há anos, por isso, não me queixo. só me queixo da falta de tempo.

mas a redacção queixa-se de que passa muito tempo no gabinete.

o director de informação está onde precisa de estar para tomar as decisões certas. qual o sentido que faz estar no meio da redacção quando os repórteres estão na rua? isso é um equívoco. eu não acho que deva andar a conversar com as pessoas permanentemente aos olhos de toda a gente. a função do director exige recato.

tem saudades do tempo em que não tinha um cargo de direcção?

tenho. por vezes, sim.

porquê?

porque há imensas coisas na vida que merecem outro tipo de disponibilidade mental e emocional. coisas que para mim, para o meu íntimo, são importantes.

como por exemplo?

coisas tão simples como contemplar. precisamos de tempo para contemplar. a contemplação muda-nos.

acha que, se não tivesse um cargo de direcção e mesmo com uma família de quatro filhos, teria tempo para contemplar?

lá está, é preciso ter tempo para contemplar os filhos. e meditar sobre eles. sobre a nossa actuação com eles, sobre a maneira como eles se relacionam com o mundo. estou em fase de introspecção. e penso que há alguma relação cósmica nas coisas. as pessoas que eu encontro, que me batem à porta, são pessoas que reforçam, sublinham e dão coerência às coisas em que eu acredito.

é um privilegiado, então.

não, sou super-angustiado com isto tudo.

francisca.seabra@sol.pt