Cinco Sentidos

Para mostrar que não são um produto que se compra e vende, estas mulheres tiram a camisola e ficam com o peito ao frio enquanto exigem liberdade

tem de ser pessoal

o título que mais me surpreendeu na passada semana foi este que li em vários jornais sobre economia: ‘baixa médica de horta osório choca mercados’. os «mercados» ficaram «chocados» porque descobriram agora que eles próprios, os ditos mercados, são compostos por pessoas, e que mesmo os ceo dos bancos às vezes precisam de repousar. não pretendo explorar a doença de uma pessoa em particular para expor a desumanidade do mundo moderno. quero apenas apontar o óbvio: os seres humanos são frágeis, às vezes adoecem e até – por favor, não contem este segredo terrível às seguradoras e aos bancos – morrem. não querendo falar do paciente, a quem desejo uma recuperação rápida, diria que os rumores de o lloyd’s ter de vir a despedir quinze mil funcionários são motivo mais que suficiente para ir abaixo das canetas. a acompanhar horta osório, embora apenas numa breve ida às urgências, tivemos o ministro das finanças grego, evángelos venizélos, com cólicas por causa do alegado referendo. não vos parece que dadas as circunstâncias o mínimo é ter uma dor de barriga? a doença não só não é o fim do mundo como até pode ser a prova de que a consciência existe.

um inimigo em comum

o tema não é novo mas nunca foi falado com clareza e sem pieguice até aparecer há dias um artigo de emily nussbaum no site da new york. o texto falava de como o feminismo beneficiara com o aparecimento da internet e com as autoras de blogues. nussbaum referia sobretudo a capacidade de união nas mulheres que partilhavam as suas histórias online e assim percebiam que não eram as únicas a passar por alegrias ou tristezas parecidas. a rivalidade feminina apregoada durante séculos a fio dava assim lugar ao seu contrário. é certo que tal não aconteceu nos casos em que as próprias mulheres foram as primeiras a atacar as outras. mas uma notícia no new statesman deu conta de uma realidade menos divertida para dez bloggers que referiram ser alvo de insultos e ameaças por parte de comentadores. todas tiveram histórias feias com gente anónima e não anónima igualmente feia e sobreviveram. o mundo da internet terá levado estas mulheres a ter de enfrentar situações nunca imaginadas na sua vida normal, mas o contacto com uma realidade pouco saudável acabou por as fortalecer. os relatos são bastante impressionantes. tenho a certeza absoluta de que são verdadeiros.

sensibilidade auditiva

um estudo mencionado na science sobre os sons que mais nos incomodam revela a existência de uma forte componente psicológica na nossa avaliação desses ruídos. os musicólogos michael oehler, da universidade macromedia de colónia, e christoph reuter, da universidade de viena, descobriram que o som que em geral mais perturba as pessoas é o das unhas a riscar o típico quadro negro da escola. parece uma novidade antipática, mas não é assim tão má. a não ser num contexto de tortura auditiva, as unhas não têm este contacto íntimo com a ardósia. é o giz que é responsável pelo ruído fininho que nos põe doentes. mas as descobertas não ficaram por aqui. se o som desagradável fizer parte de uma peça musical, estaremos mais receptivos a ouvi-lo sem reclamar. a descoberta é útil porque, de acordo com a expectativa dos investigadores, pode ajudar na procura de soluções que tornem o quotidiano acústico menos agressivo. uma ideia: comecem por acabar com a música em altos berros em lojas e centros comerciais. temos buzinas que acordam, pneus que guincham e portas que batem. não precisamos de mais ruído para disfarçar o barulho inevitável do quotidiano.

mulheres nuas

t enho uma certa simpatia pelo movimento feminista ucraniano femen que anda por aí a causar o pânico entre os sôfregos da decência. o grupo tem como objectivo sério chamar a atenção para o turismo sexual na ucrânia e para a compra de noivas brancas e louras por solteiros sebosos na nova zelândia. o modo como estas mulheres se expõem é insólito. para mostrar que não são um produto que se compra e vende, tiram a camisola e ficam com o peito ao frio enquanto exigem liberdade para as mulheres. até à manifestação mais recente, em que apenas uma mulher tirou a parte de cima em plena praça de são pedro, pensava que era um grupo de exibicionistas provocadoras. mas as imagens da captura policial desta mulher em topless esclareceram um pouco melhor o motivo pelo qual se manifestam assim. foram precisos três ou quatro agentes para levar a rapariga meia nua dali. vemos os polícias com uma expressão entre o embaraçado e o excitado. não a tapam e agarram nela como se quisessem levar um pacote de um lado para o outro. a própria manifestante é de repente ‘uma coisa’ parecida com a noiva comprada ou a prostituta. as femen saíram umas belas manipuladoras. respect.

natural

o site do telegraph convidava os leitores a ver as imagens da cantora rihanna no seu camarim antes de uma performance da tournée americana com o título ‘loud’. a imagem na página principal do site era convidativa e cheia de cor e cliquei para ver mais. as restantes fotografias eram a preto e branco e mostravam a estrela da festa sempre que estava na companhia de assistentes e bailarinos. nas fotos em que aparecia sozinha não era uma pessoa diferente: só parecia estar mais à vontade. não tinha a descontracção estudada de madonna, que aparecia a comer sopa de touca na cabeça no documentário in bed with madonna. era só uma rapariga jovem a comer pipocas ou na varanda de um quarto de hotel, despenteada e vestida com um camisolão largo. as fotografias tinham a indicação de que estavam disponíveis no facebook da cantora. ou talvez tenham sido feitas propositadamente para aquele meio. não tem assim tanta importância. as imagens da descontracção juvenil de rihanna só me fizeram pensar que madonna nunca teve muito sucesso a ser natural. madonna pensou tudo ao pormenor em todos os momentos da sua vida. rihanna é uma menina gira e talentosa e fotogénica.