Devemos organizar festas e competições?

Se já foram postos em causa tantos compromissos, deve o Estado português manter o propósito de assumir organizações de festivais de música ou competições desportivas internacionais? Sinceramente, penso que não.

que sentido faz o estado, a nível central e local, cortar nas remunerações ou subsídios dos funcionários e, depois, gastar rios de dinheiro em iniciativas de entretenimento e lazer?

em lisboa, por exemplo, competições como a volvo ocean race, prevista para lisboa em maio de 2012. não pode ser! na última década do século passado, a década em que se comemoraram cinco séculos dos descobrimentos, era compreensível. foi lisboa capital europeia da cultura, foi a europália em bruxelas, foi a expo 98, entre outras realizações. já neste século, tivemos o euro 2004. todos sabemos do esforço que foi feito e das dívidas que ficaram.

agora, o tempo é outro. a sociedade parque expo já entrou em processo de extinção. está prevista outra capital europeia da cultura, mas há quem defenda o cancelamento.

aliás, no caso de portugal, é a terceira vez que esta iniciativa tem lugar em 18 anos: lisboa em 1994, porto em 2001, guimarães em 2012. uma vez de seis em seis anos. quantos países europeus terão assumido tais encargos no mesmo período de tempo? não ‘descontando’ as diferenças de dimensão…

2012 vai ser um ano de profunda austeridade em portugal. já todos o sabemos. fará, então, sentido que portugal se mostre em festa ao mundo? tenho muitas dúvidas.

afastámos projectos como o novo aeroporto (por mim, ainda bem), o tgv, escolas, hospitais, teatros, bibliotecas, cortaram-se subsídios de natal e de férias, horas extraordinárias, prémios, reduzem-se abonos de família, privatizam-se participações públicas nas melhores empresas – e depois andamos em corridas de barcos ou de carros? impõe-se pelo menos, uma reavaliação da situação.

claro que há compromissos internacionais. mas os tempos também envolvem circunstâncias excepcionais. o mais importante a preservar é, naturalmente, o emprego e o salário das pessoas. que sentido faz tantas pessoas desempregadas andarem por lisboa a ver várias outras em festas, beberetes e fogos de artifício?

repartir os sacrifícios

esta austeridade não é uma austeridade qualquer. é profunda e não se sabe até onde irá.

as pessoas estão deprimidas, angustiadas, tristes. sempre defendi, e defendo, a importância do elemento psicológico na vida dos povos e, em concreto, nos subsistemas social e económico. mas, neste momento, considero que uma sociedade como a nossa só pode ser mobilizada pela comunhão nos sacrifícios.

como aqui escrevi há semanas, não defendo qualquer tipo de jacobinismo. não entendo que, por haver desempregados, todos tenhamos de ir para o desemprego. não preconizo que aqueles que passam momentos de privação tratem mal quem não passa por essas contrariedades. mas defendo que a sociedade, em especial nos momentos que se vivem, tem de ser responsavelmente solidária. portugal não pode gastar muito dinheiro em festas quando não tem dinheiro para o que é básico.

escrevo estas linhas consciente da importância que o turismo cada vez mais tem na economia portuguesa. mas deve evitar-se que algumas iniciativas tenham lugar cá apenas por inércia e só pela dinâmica do calendário. não pode haver pior cenário do que determinados festivais ou corridas caírem, exactamente, em cima da pior altura da crise.

repito: importante é que seja feita a reavaliação. e que, no caso de algumas dessas iniciativas irem por diante, os portugueses saibam bem o que está em questão, quanto custa e o que implica de esforço público.

como é óbvio, é sempre diferente estarem envolvidos dinheiros públicos ou dinheiros privados. mas, em determinadas circunstâncias, certas iniciativas são sempre chocantes, mesmo que pagas só por privados.

políticos ou tecnocratas?

silvio berlusconi e george papandreou foram substituídos por dois tecnocratas, mario monti e lucas papademos.

em portugal, josé sócrates foi substituído por pedro passos coelho e, em espanha, tudo indica que josé luís zapatero será substituído por mariano rajoy. ou seja, ao contrário de itália e grécia, na península ibérica a opção é substituir político por político.

o tempo dirá qual das opções é a mais adequada aos tempos que correm. todos teremos poucas dúvidas de que as agitações que a europa e a américa atravessam resultam dos esforços de adaptação dos sistemas políticos e das super-estruturas às metamorfoses da ordem económica internacional e às novas dinâmicas sociais.

cada vez mais aparecem escritos a reclamar o lugar da política na liderança dos povos, mesmo na parte de sectores que, normalmente, teorizam sobre a desvalorização da política e dos políticos.

embora não existam receitas universais, vamos avaliar qual das duas soluções será mais duradoura e mais eficaz: se as dos dois países da península ibérica em que, depois de eleições, escolhem para chefes de governo líderes de partido – ou a outra, em que os partidos acabam por aceitar, a meio da legislatura, a chamada de chefes de governo fora das máquinas partidárias. (para reflexão, embora de um autor algo desiludido com a democracia, robert michels, ler para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna – trad. josé m. justo, antígona, lisboa, 2001).

a propósito de avaliações, quero hoje fazer, também, uma nota sobre as negociações entre o governo regional da madeira e o governo da república.

são de registar a discrição e a correcção com que têm decorrido e, quero crer, ainda muitos se surpreenderão com o modo como o presidente do governo regional da madeira vai assumir a governação em tempos de austeridade.

ao fim e ao cabo, isto pode significar que estão em curso grandes transformações, quer ao nível dos protagonistas quer por mudanças de comportamento dos mesmos protagonistas.

mais um exemplo para esta última situação: até há pouco, durão barroso e van rompuy surgiam isoladamente, muitas vezes parecendo que rivalizavam. desde há uns dias, porém, passaram a agir de modo coordenado, escrevendo mesmo cartas e fazendo apelos em conjunto.

os tempos estão duros e as relações de força alteraram-se. por isso mesmo, sentindo-se ambos com menos poder, resolveram juntar esforços. sinal de realismo e de bom senso.