De lata na mão a graffitar pelo mundo

Tinha 20 anos quando começou a interessar-se pelos graffiti. Apesar de ter crescido a brincar na rua, até então pintava apenas em casa. Quando descobriu que podia desenvolver a sua arte fora de portas, transformou o hobby numa profissão e hoje o seu traço é reconhecido em todo o mundo, do Brasil ao Kuwait.

era fã do indiana jones, personagem que considerava «o máximo», e sonhava um dia vir a ser arqueólogo e estudar civilizações antigas. este seu interesse despertou o repúdio dos amigos: «tu vais mas é descobrir batatas podres para o túmulo de ramsés!’». da brincadeira ficou o nome mas, mesmo assim, miguel caeiro teve que o adaptar ao seu alter-ego grafiteiro: «quando comecei a pintar, ramsés era uma palavra com muitas letras e abreviei para ram. além disso ainda fiz uma brincadeira com a sigla. essas letras passaram a significar rapid aerossol movement, à semelhança do rapid eye movement, porque sempre fui muito rápido a pintar», justifica. foi nessa altura que começou a ver a rua como mais uma das suas telas. «eu pintava em casa e, de repente, deparei-me com o facto de ser possível fazê-lo na rua. isto foi em 1995, numa altura em que já se estava a preparar o grande boom do graffiti que iria acontecer em 1998», relembra.

umas das suas primeiras iniciativas foi começar a ‘legalizar’ paredes, ou seja, pedia ao dono de cada imóvel autorização para pintar e assim deixava de ter problemas com a polícia. foi graças a esta ideia que criou há 15 anos o ‘hall of fame’, em sintra. ainda hoje é um local para graffiters e artistas plásticos darem largas à sua imaginação. nessa altura, miguel já era designer: «trabalhava numa agência, dava formação na área do design gráfico e do design de comunicação, mas tinha uma profissão em que via a vida passar pela janela», recorda.

o desânimo com que ia trabalhar todos os dias e a forma como esperava pelo fim-de-semana, para pôr cor nas paredes abandonadas de sintra, fê-lo rever as suas prioridades. abandonou o emprego e dedicou-se 100% aos graffiti. «comecei a pensar ‘bem, eu esfolo-me a semana toda, mas chego ao sábado e domingo e isto dá-me tanto prazer e até monetariamente me dá uma compensação’, que desisti do emprego como designer e dediquei-me aos graffiti como profissional. e é bom dizer que as pessoas sempre me pagaram para eu fazer trabalhos!», reforça. miguel tem as coisas muito bem delineadas na sua cabeça: uma coisa é o trabalho como artista e outra coisa é o que faz como profissional: «aí faço decoração de espaços, pinturas, telas para interiores e trabalhos para grandes marcas, como para a microsoft, onde pus mais de 400 trabalhadores a pintarem ao mesmo tempo, numa acção de team building. portanto, ser graffiter é muito mais do que pintar paredes…», conclui.

o seu trabalho pode ser visto um pouco por todo o lado. no ic19, em rio de mouro, tem uma produção com as estradas de portugal, onde pela primeira vez se fez um trabalho de pintura mural ao lado de uma estrada pública. e foi miguel, mais uma vez, o ‘cérebro’ que esteve por trás de toda a organização dos talentos: «podíamos ter feito o trabalho incluindo só artistas amigos, mas assim íamos passar por cima de pessoas que já tinham feito ali graffiti e eu fui contactar esses jovens e convidei-os para intervir no projecto», relembra. o resultado foi que não só as peças originais ficaram ali firmadas, como ganharam outro valor ao estarem ao lado das do ‘mestre’. um ano mais tarde, miguel fez o mesmo na pontinha, em lisboa, começando por criar um concurso de graffiti, para o qual os interessados mandavam projectos: «e foi assim que enchemos mais de um quilómetro de parede!». já este ano, miguel trabalhou na organização de grandes pinturas em prédios devolutos na covilhã e em ponta delgada, nos açores, em eventos com mais de duas dezenas de convidados internacionais.

agora prepara-se para lançar o seu mais recente projecto. tudo começou há mais de dois anos quando ram e mar (o seu parceiro de graffiti) começaram a pintar uma fábrica abandonada em sintra. o resultado foi uma história contada em mais de 700 metros de parede. «trata-se da história de uma mulher grávida que está a dormir e que sonha a vida do filho que ainda não nasceu», revela. o projecto vai passar para o vídeo, para um livro e para fotografias numeradas e assinadas que qualquer pessoa pode adquirir: «isto é para toda a gente perceber que pode levar os graffiti para casa, só depende da maneira e da qualidade de como são feitos».

no meio disto tudo, miguel ainda arranja tempo para dar a volta ao mundo. começou quando era surfista e viajava para encontrar a onda perfeita. mais tarde começou a fazer o mesmo, mas desta vez para encontrar a parede ideal: «já tinha feito muitas viagens para surfar ainda antes de pensar que era possível viajar para pintar. já conhecia muita gente, como os gémeos ou o igraph, os meus companheiros de são paulo». miguel refere que esta cidade brasileira é uma das ‘mecas’ para os graffiters de todo o mundo: «lá há mais espaços para pintar, há mais respeito e a rua está viva. para quem é ‘grafiteiro’, domingo de manhã é dia de ir para a rua pintar. e pode haver problema ou não, mas pintura vai haver de certeza…», brinca. além do brasil, conhece muito bem a ásia, a índia, o kuwait ou o japão. locais onde, para além de fazer pinturas, se dedica a instalações: «se estou um dia numa praia e tenho troncos e pedras, em vez de estar o dia a apanhar sol, passo o tempo entretido a criar alguma coisa e no final vou-me embora, tiro uma fotografia e aquilo fica para trás», conta miguel. esta efemeridade reforça a noção de que, tal como os graffiti, são raras as coisas que ficam para sempre: «ficamos apenas com uma imagem e é isso que nos dá gozo. cada coisa que fazemos, tiramos uma fotografia e é a fotografia que fica».

este ano esteve em marrocos, a fazer uma pintura de grandes dimensões, e no kuwait, no âmbito de um projecto da eastpak, marca que o patrocina. depois, esteve na hungria, onde fez mais uma exposição individual e participou em duas pinturas colectivas. agora tem patente uma mostra no porto, no espaço maus hábitos.

no final das contas, miguel considera-se mais artista plástico do que graffiter, já que não vive apenas da pintura: «tenho um leque de opções que vão desde a pintura de telas à organização de eventos. mas sou pago por isso porque tenho que viver do meu trabalho. não posso simplesmente passar os dias em frente a uma parede sem receber!».

patricia.cintra@sol.pt