Silva Peneda: Ordenado mínimo deve ser diferenciado [com vídeo

Era ministro do Emprego e Segurança Social quando ocorreu a primeira greve marcada pela CGTP e UGT. «É engraçado ver que hoje as centrais sindicais gostariam de ter as regras que aprovámos em 1988», diz o Presidente do Conselho Económico e Social. Encara com optimismo o processo de concertação social, após a greve geral, e…

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como compara a greve de 1988 com a desta semana?

quando fui ministro, a greve ficou marcada por uma componente política muito forte. o governo queria alterar uma lei que vinha do gonçalvismo, numa altura em que precisámos de nos adaptar às regras europeias. mas fui acusado de querer introduzir a lei da selva no mercado laboral (risos).

então hoje há mais motivos para fazer greve?

naquela altura a economia crescia, o nível de desemprego não era tão alto como hoje.

em termos de coesão social, não seria um bom sinal aumentar o salário mínimo nacional (smn) este ano?

temo que seja muito difícil, dada a situação da economia, fazer esse tipo de alteração. as circunstâncias mudaram muito desde a altura do acordo feito pelos parceiros sociais.

poderia haver alguma forma de aumentar o smn diminuindo outros encargos das empresas?

se o smn subisse para 500 euros poderia não ter importância para algumas empresas, mas implicaria dificuldades para outras. estamos perante um problema: ter uma regra igual para todos. há países em que o smn é definido por convenções colectivas em cada sector. a regra de haver um smn igual para todos se calhar não é forma mais adequada de resolver o problema.

o momento actual é marcado pela necessidade de consolidar as contas públicas. concorda com as críticas do ps ao orçamento de estado (oe)? há alternativas?

não queria envolver-me na discussão partidária. mas é preciso ver que estamos perante prazos muito curtos: tem de haver resultados na despesa já em 2011 e 2012. isto não pode ser deixar de ser feito um pouco à bruta. seria muito difícil arranjar uma solução muito diferente. é muito difícil não mexer em sectores fundamentais como a saúde, a educação, as prestações sociais e a função pública (fp).

já disse que o oe do próximo ano era de altíssimo risco. o que o preocupa mais?

preocupa-me algo que não está estudado ou quantificado: o grau de incumprimento perante a banca. preocupa-me o nível de desemprego. quando se chega a determinado tipo de valores, estamos perante a perda de confiança dos indivíduos em si próprios, nos outros e nas famílias que os rodeiam. e da perda de confiança ao medo é um pequeno passo.

o desemprego pode ficar acima das previsões?

o parecer do ces admite isso. com o decréscimo do pib, há reflexos a nível de desemprego. ao país falta uma estratégia que credibilize o potencial de crescimento da economia.

a troika sugeriu que a redução de custos salariais no privado. qual a sua opinião?

não estou de acordo, é uma visão redutora. para já nem sei como é que isso se faria, porque há convenções colectivas. será que querem que o nosso modelo social seja mais aproximado da china, com salários baratos? acho que não é essa a vontade da maioria dos portugueses.

na concertação social (cs), há verdadeira negociação?

o primeiro-ministro foi claro a dizer que ter maioria absoluta não significa que não haja necessidade de haver concertação social.

mas não está a acontecer o oposto, o esvaziamento da cs? houve o episódio que ficou conhecido: num dia o ministro da economia está a negociar os feriados e no dia seguir o pm anuncia a meia hora extra sem ninguém saber disso…

o processo de cs tem sempre percalços. esse episódio não ajudou muito, podia ter corrido melhor, mas não vejo que seja um motivo impeditivo de haver acordo.

o que espera a seguir à greve?

espero que o nível de adesão leve a um reforço para as centrais sindicais e que estas venham com mais energia para as reuniões da cs. preocupava-me era se houvesse alguma ruptura de diálogo entre parceiros sociais.

os limites que os cidadãos têm de suportar já foram ultrapassados?

a sociedade tem de atender aos que estão numa situação de maior fragilidade: os mais idosos. daí a importância das instituições particulares de solidariedade social (ipss): são uma almofada importante. num momento destes, o estado tem de ter alguma flexibilidade e dar às pessoas que dirigem essas instituições o poder de acudir aos problemas de acordo com os padrões culturais de cada terra. devia dar-se um grande impulso para dar liberdade a essas instituições para, mesmo cometendo alguns erros, dar-lhes raio de acção. isso é fundamental.

disse no parlamento, que é tempo de cumprir o acordo da troika e não de negociar. temos de aceitar que eles é que mandam?

nós, o país, somos culpados de termos chegado a esta situação. somos culpados de não ter dinheiro para pagar aos funcionários públicos ou pensionistas e de termos de pedir para nos ajudarem. antes de discutir temos de começar por aqui. só temos a ganhar se, perante os nossos credores, cumprirmos de forma exemplar. é a única forma de nos dar estatuto para podermos fazer alguma alteração, por exemplo em relação a prazos.

quando era ministro de cavaco silva avançou com o pagamento do subsídio de férias aos pensionistas da fp. como lida com este corte?

lido mal. lembro-me perfeitamente do dia em que cheguei ao pé do primeiro-ministro e lhe disse que tínhamos condições para anunciar o 14.º mês. era um dia de verão e eu, que estava em camisa, vesti o casaco, perante a solenidade do momento. ‘podemos avançar’, anunciei. guardámos segredo durante seis meses. cavaco silva anunciou a medida no dia seguinte a ser eleito um novo líder do ps. ainda me lembro da reacção de antónio guterres: ‘com isto é que deram cabo de nós!’.


sente-se um dos pais do ‘monstro’ da despesa pública?

não aceito isso. nós tínhamos condições para avançar com o 14.º mês, que era uma medida justa. reforçámos, aliás, a sustentação financeira da segurança social e a economia crescia a bom ritmo. nada fazia prever a situação actual.

joao.madeira@sol.pt e manuel.a.magalhaes@sol.pt