no nome do filho
a presunção de inocência é um fundamento básico da justiça. no entanto, esta mesma presunção só pode ser assumida e defendida profissionalmente. não se pode esperar dos cidadãos que suspendam espontaneamente as suas piores suspeitas. é certo que nós, o público do espectáculo policial na televisão e nos jornais, sabemos pouco sobre os crimes noticiados. só nos chegam indícios e pormenores: a informação que devia ser secreta, mas que é interpretada pelos meios de comunicação social. sim, devemos presumir que duarte lima é inocente de tudo. em bom rigor, até ser transitado em julgado, não é um assassino, não é um político que abusou de informação privilegiada, o seu enriquecimento é o resultado de trabalho honesto e habilidade para os negócios, etc. ter usado o filho como testa-de-ferro é um procedimento natural em qualquer empresário que se queira livrar de certos encargos fiscais e que, como qualquer bom pai faria, pretende deixar um legado material à sua prole. quem pode agora julgar um homem que pensa no futuro da sua descendência? vão ver que tudo se há-de esclarecer e que duarte lima só está passar por uma fase de tremendo baixo astral.
boa televisão
demorou, mas chegou. o canal axn black começou finalmente a transmitir the killing, uma série policial dinamarquesa. estreada em 2007, the killing vai na sua terceira temporada (em inglaterra acaba de estrear a segunda) e nos estados unidos fizeram uma versão americana do original. o tema é a história da investigação de um crime especialmente violento com implicações familiares, políticas e profissionais, que se cruzam com a própria investigação. quem conhece copenhaga sabe que é uma cidade pequena cujos habitantes não parecem ser cidadãos de uma capital europeia. as camisolas de malha da investigadora sarah lund são um pormenor revelador. não é por acaso que a versão americana da história se passa em seattle, uma cidade encantadora que não esconde o seu provincianismo. the killing é diferente das séries a que estamos habituados. apesar da língua tão estranha para nós como o dinamarquês, e embora a situação da protagonista, a sua mudança para a suécia, nos seja bastante misteriosa, há no ambiente algo de familiar, palpável, real. gostei muito dos primeiros episódios e fiquei com uma sensação de toxicodependência televisiva. já estou viciada nesta série.
para esquecer
na secção de tecnologia do the new york times, jenna wortham divulga um serviço que está a entusiasmar os mais assíduos das redes sociais. o 4squareand7yearsago.com presta um serviço que o seu criador, jonathan wegener, descreve como «uma onda digital de nostalgia». a célebre pergunta «onde estava no dia…» é respondida por email diariamente aos subscritores. o serviço de memória virtual funciona com contas de foursquare, instagram, facebook e twitter. não me parece que uma palavra tão boa como ‘nostalgia’ possa ser aplicada a este caso. o cliente das redes sociais quer ser lembrado exactamente de quê? de ter ido ao café da esquina, de ter tirado uma fotografia a um shar-pei na rua, de ter publicado uma foto do seu quarto para os olhos privilegiados do seu círculo restrito de 8.471 amigos, ou de ter escrito mais um aforismo ilegível em 140 caracteres? o que faz destas acções banais motivo para um ano depois recordar? aqui não há nostalgia nenhuma. nem saudade. haverá narcisismo e melancolia. e a melancolia surge quando o utilizador assíduo percebe que perdeu um ano de vida no foursquare, no instagram, no facebook e no twitter. é melhor esquecer.
mais uma mulher nua
a imagem que mais me impressionou da alegada primavera egípcia foi a de um homem entrevistado em sua casa que se afirmava contra o regime repressivo de hosni mubarak. a seu lado, sentada no sofá a uma distância considerável, estava a mulher coberta por uma burqa e em silêncio. como um candeeiro ou uma estante, a mulher era mais uma ‘coisa’ na decoração. a ideia que me ficara de que a ‘liberdade’ que chegava ao egipto estava longe de ser pacífica tem sido confirmada neste período que antecede as primeiras eleições parlamentares. as manifestações na praça tahrir e o aparecimento de grupos de muçulmanos ultraconservadores a favor da implementação da lei islâmica (sharia) são sinais de que um inverno árabe rigoroso chegará em breve ao país. é neste contexto de morte que aparece alia el-mahdy, uma egípcia de 20 anos que publicou no seu blogue fotografias suas de meias, sapatos rasos encarnados e fita encarnada na cabeça. a sua nudez ofendeu os radicais, que a querem punir a ela e ao namorado, karim amer, com oitenta chibatadas segundo manda a sharia. a coragem de ambos é notável. vão ter de abandonar o país. mas para serem livres terão de abandonar o islão.
falso é fixe
os casacos de imitação de pele de cores, lisos ou com padrões de leopardo ou zebra, com ou sem pêlo, estão na moda. já os casacos de pele verdadeira parecem estar a viver dias difíceis e não é só por causa da crise. num artigo na history today, carol dyhouse explica os motivos que levaram à queda das vendas na grã-bretanha dos célebres visons, casacos de raposa e zibelinas. reconheci dois principais e outro secundário. as associações de defesa dos direitos dos animais são os responsáveis de peso pela crescente falta de interesse do público feminino (e masculino interesseiro) por esta peça de vestuário. a falta de interesse e os baldes de tinta atirados pela peta e outras associações do género levaram a uma procura menor, o que encareceu ainda mais o produto. o segundo motivo está relacionado com o estatuto das mulheres que usavam estes casacos. até à década de 60, o vison apareceu sobretudo associado à outra, à que não era a legítima, à amante. as actrizes de cinema espampanantes e glamourosas também não ajudaram à reputação das zibelinas. assim a pele verdadeira e cara foi dando lugar à falsa e barata. é das únicas mudanças para pior que merecem aplauso.