Um padre e uma igreja invulgares

Esta tarde há não uma, mas duas inaugurações na Igreja de S. Francisco Xavier, no Restelo, em Lisboa. No dia em que o polémico projecto do arquitecto Troufa Real abre portas, a pequena Camila Colimão Morgado, de 16 meses, dá o passo inaugural na vida cristã. Este baptismo marca a primeira celebração sacramental na igreja-caravela,…

camila e os pais vivem em lagos, no algarve. mas o baptismo vai ser feito no templo que inaugura no dia do padroeiro dos missionários. maria josé colimão morgado, mãe de camila, explica ao sol a razão: «o padre é meu tio e é ele que faz os casamentos e baptismos de toda a família; então decidimos juntar o baptizado da minha filha com a inauguração». para o baptismo, a bebé vai levar um vestido que foge do convencional. «quando disse ao meu tio que a camila ia com um vestido rosa, e não de branco, a resposta dele foi: ‘quem disse que ela tinha de ir de branco?’», lembra maria josé.

o padre antónio colimão, de 76 anos, nascido em damão (índia), tem pouco de convencional. se assim não fosse, não teria desafiado o gosto predominante e levado adiante o projecto oferecido por troufa real. o arquitecto transformou o edifício numa alegoria aos descobrimentos e à vida de s. francisco xavier, missionário conhecido como ‘apóstolo do oriente’. numa entrevista ao sol, em que explicou o projecto, troufa real afirmou: «achei que o templo deveria ser uma caravela porque foi o espaço sagrado de s. francisco xavier, um santo que não sendo português se meteu nas caravelas portuguesas em missão».

os moradores do restelo não revelam entusiasmo perante o novo templo.«o projecto não se enquadra nesta zona; não gosto muito», indica ana freire, de 47 anos. «não gosto, mas admito que vá trazer mais vida a esta zona», exprime maria josé henriques, de 85 anos. jorge correia, de 32 anos, afina pelo mesmo diapasão: «não gosto nada; ao princípio achei que era um estádio de futebol». milka kuusined, de 32 anos, quer conhecer a igreja só «para ver se é tão feia por dentro como é por fora».

para já, como o dinheiro escasseia, o projecto – cuja primeira fase custou três milhões de euros e que contou com contribuições de fiéis que chegaram a 1,5 milhões – não vai ficar concluído. há paredes por pintar, a caravela ainda não vai ter as cornucópias que simulam as ondas e a torre, com vista panorâmica, fica adiada. a casa paroquial cobriu-se de laranja, tal como previsto, e aí funcionará a sacristia e os serviços administrativos.

por fora, sobressai o aspecto enferrujado; por dentro, o branco e as janelas em forma de óculo. a nave da igreja assemelha-se ao casco de uma embarcação. e, perante o altar de madeira, que ainda estava em construção a três dias da inauguração, 60 bancos aguardarão a devoção dos fiéis.

de luanda, capital angolana onde reside troufa real, veio a imagem de nossa senhora do restelo. já a imagem de s. francisco xavier foi feita em palmela; e a imagem de cristo saiu das mãos de «um homem de esquerda, de 80 anos, de lisboa», explica ao sol antónio colimão.

o pároco, entusiasta do projecto, prefere desvalorizar as vozes críticas:«as pessoas não sabem que uma minoria silenciosa me apoiou». e esclarece: «continuei a obra porque tive apoio; se o cardeal-patriarca me tivesse pedido para parar, parava». este padre acredita que a igreja-caravela irá fazer parte do circuito do turismo religioso. já o arquitecto responsável pelo secretariado das novas igrejas, diogo pimentel, acredita que irá ser «uma atracção turística, não por boas razões, mas por ser bizarra».

diogo pimentel sublinha que «o patriarcado de lisboa não faz censura arquitectónica aos projectos». no entanto, o arquitecto considera que a igreja-caravela é «uma proposta inadequada, com uma simbologia demasiado primária». e lembra que «a igreja, na forma como se apresenta para o exterior, não deve ser ostentatória».

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liliana.garcia@sol.pt