veio tudo ao mesmo tempo: a crise internacional e a interna, a confusão do euro e os escândalos de figuras e figurões da política. percebeu-se que a globalização também globalizou crises e prejuízos; que os alemães querem mandar nos nativos; que alguns políticos democráticos, eleitos, roubam mais e são mais incompetentes que os oligarcas do fascismo.
não sei se, como dizia o desolado herculano, «isto dá vontade de morrer». mas já não dá vontade de rir, e chorar não vale a pena. mas indigna ver a mesma gente que foi conduzindo o país a enganar os desgraçados que lhes davam os vivas e os votos, a lamentar-se, a culpar os ‘mercados’ e os anglo-saxões das nossas desgraças.
e há os que, para a cura, querem o reforço do vírus que trouxe a doença. neste caso, mais europa, mais integração. em vez de nos sujeitarmos temporariamente às inspecções da troika e arrumar as contas sob o controle dos credores, vamos mesmo pôr-nos nas mãos deles e entregar a gestão das finanças e da política do estado português a berlim e a bruxelas. ser uma ‘taifa’, um protectorado, com os políticos locais cipaios do novo reich.
o mais espantoso é que aqueles que respondem aos protestos com a cara sábia e cínica das inevitabilidades trágicas, são precisamente os mesmos que indicaram e prepararam estes caminhos, como caminhos de esperança e de salvação.
eram eles – todos – que nos diziam que a áfrica e o atlântico não passavam de mitos ‘medievais’ e obsoletos; que a europa era o nosso destino manifesto; que entrar para este clube de gente rica e próspera, era a felicidade.
agora quando a senhora merkel, com o seu ar de dona de casa da avenida de roma lhes corta os subsídios, quando os homens das regiscontas inspeccionam as imparidades bancárias, quando se vai chegando à conclusão que não há nada para ninguém, o que é que fazem?
fazem muitas coisas, de manifestações a introspecções, de tiradas à ‘pai nobre’ a lamentações. com o ar do incendiário que se mete na fila dos bombeiros com o balde de água, solícito e aos gritos enérgicos de orientação.
e propostas. uma das coisas que querem é reduzir os feriados. óptimo. eles, os inventores das ‘pontes’ (além da ponte 25 de abril), dos carnavais, do crédito para férias. e que feriados políticos querem sacrificar? o 5 de outubro e o 1.º de dezembro. o 5 de outubro é um feriado político, ideológico como o do 25 de abril. equivaleriam ao 28 de maio, se o estado novo tivesse querido comemorar a sua instauração.
mas o primeiro de dezembro, não havendo um dia da independência da fundação ou o 14 de agosto, dia de aljubarrota, é o dia da independência de portugal, o dia da libertação do país da tutela da espanha.
foi um esforço corajoso, com grandes riscos (os conjurados de 1640 se perdessem acabavam na forca ou no cadafalso, segundo a condição social e desgraçavam as famílias) e que foi depois coroado com uma inteligente acção política, militar e diplomática. e graças a ele portugal existe.
as comunidades vivem de mitos e de ritos, que as identificam, individualizam, tornam solidárias e independentes.
o dia da restauração – celebrando o 1 de dezembro de 1640 – é o nosso dia da independência. acabar com ele é – simbolicamente – reduzir a independência nacional a zero.
naturalmente é isso mesmo que eles acham. e querem.