«é óbvio que há limitações de corpo, de memória e de trabalho físico. mas trabalhei com eles como faço com outros grupos. aliás, muitas vezes me debati com a hipótese de já estar a ir para lá dos limites, quando um deles dizia: ‘isso já não posso fazer’. mas houve muita entrega e confiança e encontrámos um equilíbrio. não quis esconder a idade, as suas características e idiossincrasias».
foi com esta premissa que clara andermatt partiu para a criação de maior. tinha trabalhado pela primeira vez com o grupo há um ano, quando preparavam a sua estreia, com a peça bela adormecida, de tiago rodrigues. agora, a coreógrafa começou por encaminhar o grupo para workshops de meditação e ioga, manipulação de objectos e música, para que criassem «uma relação diferente com a forma como se pode gerar movimento e como observamos e nos relacionamos com o corpo, os objectos e a música». durante dois meses de ensaios diários explorou «situações do quotidiano e o uso de objectos», ampliando assim «o material coreográfico e a consciência do corpo e dos seus movimentos em pormenor».
o resultado é uma peça que, com certeza, criará alguma estranheza para quem viu bela adormecida e que não conheça o trabalho de clara andermatt, mas que, mais uma vez leva a companhia maior à entrega e à demonstração que os limites da idade são questionáveis. «hoje sou toda equívoco», ouve-se, no texto criado por iva delgado, no arranque do espectáculo. vestidos de branco e preto, os corpos vão inundando o palco nu, enchem o seu vazio angustiante. os gestos são por vezes trémulos, outras vezes agressivos, revoltados. há a convicção de quem percebeu a linguagem e a quer transmitir. há a sensação de dependência entre os pares, de entreajuda – como no momento tocante do pas de deux entre luna andermatt e kimberley ribeiro.
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a estratosfera da filha
entre os 17 elementos em palco há que destacar, justamente, esta convidada especial, luna andermatt, mãe de clara, ex-bailarina e uma das principais impulsionadoras da dança em portugal. aos 87 anos, com uma vértebra deslocada e uma bengala como companheira, luna começou por recusar o convite da filha: «o confronto entre o que o corpo fazia e o que é capaz de fazer agora é angustiante, mas o bicho da dança falou mais alto».
pela mão da filha voltou a quebrar os limites do corpo e a ensaiar diariamente, «mesmo quando estava tão cansada que nem me apetecia sair da cama». bailarina de formação clássica, luna andermatt aprendeu a expressão «sóbria mas intensa» da filha que a convidou a entrar no seu universo. a filha correspondeu-lhe com surpresa: «achei incrível como a minha mãe se dispôs a entrar no que ela chama a minha estratosfera».
maior está em cena até 11 de dezembro, no ccb, seguindo em janeiro para o teatro municipal de almada.