vive em espanha há dois anos. foi uma decisão difícil ir para lá?
foi acontecendo. foi a primeira vez que pus a minha vida pessoal à frente da profissional. como nunca penso ‘para a vida’, acho que tudo tem volta. vivo cá e lá. às vezes venho cá fazer locuções, apanho um avião de manhã e volto para madrid à noite. não me fui embora para não voltar, vou voltar a portugal. só que ando a fazer a esparregata, que me custa imenso. apetece-me imenso voltar, tenho saudades. mas agora arranjei uma agente porreira em madrid e vou fazer uma série.
como se constrói uma carreira à distância?
não sei… há um mês ou dois fiz uma página no facebook porque toda a gente me dizia que tinha de ter uma. mas o meu objectivo é só representar. descobri que não sou apegada ao reconhecimento, que é uma coisa que pode viciar. é óbvio que sei que o meu lugar não é cativo, mas acredito que construí qualquer coisa. prefiro dar menos, mas o que dou é com o máximo de entrega. acho que nos tornamos mais facilmente invisíveis quando estamos sempre a aparecer.
antes de ir para madrid sentiu que corria o risco de o público se cansar de si?
senti, eu própria estava cansada de mim. a televisão é muito impositiva. as pessoas ‘levam’ connosco todos os dias. quando um actor aparece constantemente, mais facilmente o público fica imune a essa pessoa. temos de gerir o nosso percurso e temos de desmistificar a ideia que o público tem que um actor, para estar empregado, tem de estar na televisão. gosto imenso de fazer teatro e cinema! apesar de, com estas andanças, fazer menos teatro, o que me custa imenso. tenho recusado trabalhos que me apetecia fazer. claro que, quando venho cá, sabe-me muito bem que as pessoas se manifestem, mas também me sabe bem ser uma feliz anónima em_madrid. sou muito espontânea e gosto de sentir a liberdade.
em portugal já não consegue ser essa ‘feliz anónima’. isso condiciona-a?
um bocadinho. mas há uma coisa fundamental em qualquer actor que é nunca perdermos a ligação à terra. a vaidade é uma coisa que me incomoda, gosto de desconstruir a snobeira… para o bem e para o mal, porque se estiver de mau humor não tenho pruridos em dar um pontapé numa parede. as pessoas vêem-me como eu sou. não sou uma miúda deslumbrada. continuo a fazer as mesmas coisas, claro que em madrid posso ter mais liberdade, mas também sinto liberdade cá. claro que tento não dizer palavrões em público e respeito as pessoas. temos de dar o exemplo, mas somos só pessoas, temos os nossos altos e baixos.
o facto de ter um contrato com a tvi facilitou-lhe a decisão de ir para madrid?
não, pelo contrário. claro que, se por alguma razão agora tivesse de ficar em madrid e não pudesse vir fazer algo que o canal me pedisse, sei que eles facilitavam. mas não sou uma mercenária, portanto, para mim, este é um dilema brutal. tenho uma ligação com a tvi de uns 14 anos, é a minha segunda casa, e isso é uma coisa que não se esquece. os pais e os tios entretanto mudaram de casa, vieram outros, mas ali sinto-me em casa. sinto-me grata e quero-lhes dar retorno. não estou feliz em madrid e uma das razões é porque gosto de trabalhar. se calhar preferia em vez de ter 30 cenas para gravar por dia, ter só dez. mas adoro trabalhar e adoro estar ali. o último trabalho que fiz foi a novela do rui vilhena, sedução, e à partida teria um papel com pouca incidência, mas acabei por estar seis meses sem ir a madrid. é um sofrimento. uma pessoa que esteja a fazer uma novela não tem direito a vida. agora fiz um telefilme, mas vou ter de fazer uma novela proximamente.
disse que ‘vai ter’ de fazer uma novela. é uma obrigação?
prefiro outros formatos, toda a gente sabe. a novela é o formato onde tenho menos espaço para desenvolver uma personagem. por outro lado, também é o que me dá mais rapidez e jogo de cintura… é muito difícil fazer novela. trabalha-se à séria. as pessoas não têm noção! a novela é uma grande escola se, obviamente, o actor for minimamente estruturado. senão pode deixar-se deslumbrar pela máquina e ficar toda a vida a fazer a mesma coisa. cada novela que faço, não me sobra nada para ter vida. são dez meses da minha vida em que vou de casa para o estúdio e daí para casa. chego às folgas e estou de cama.
isso não acontece com todos os seus colegas…
recuso-me a ligar o piloto automático. é uma questão de honestidade intelectual e de consciência. se calhar estou a ser tonta porque assim morro mais cedo, mas sou mais feliz.