Vamos falar do imobiliário!

Com troika ou sem troika, se há sector de que pouco se fala nos areópagos internacionais é o imobiliário.

no entanto, foi pelo imobiliário que tudo isto começou em setembro de 2008, como bem documenta a produção inside job, que tantas vezes refiro.

dizia-se que era em espanha que a ‘bolha do imobiliário’ iria rebentar. o meu sucessor, josé sócrates, respondeu mais ou menos isso quando, em abril de 2008 – era eu líder parlamentar –, lhe pedi para estar atento à crise que se anunciava e para tomar medidas que a prevenissem.

não foi em espanha que a ‘bolha’ rebentou primeiro mas sim do outro lado do atlântico, nos estados unidos da américa, com a crise do subprime.

o memorando com a troika é tão extenso e tão detalhado e, no entanto, dá tão pouca atenção a esse sector. é estranho.

há outras áreas, como a energia e a financeira, que merecem detalhes em rácios, balanços, tarifas, taxas. e o imobiliário nada.

será porque não tem empresas para privatizar em condições que justifiquem grande atenção?

se havia sector económico que merecia todo o detalhe era, exactamente, este. como é sabido, o imobiliário encontra-se num verdadeiro impasse, e muitas firmas de construção civil abriram falência ou estão em situação difícil, aumentando em flecha o número de desempregados. e os reflexos nos indicadores da performance económica do país são óbvios.

quase todas as famílias têm razões para sentir ansiedade, quando não mesmo angústia, quanto à situação do sector imobiliário: ou porque a sua casa desvalorizou, ou porque não têm dinheiro para pagar as prestações, ou porque têm andares para vender e não conseguem, ou porque têm pessoas a trabalhar neste campo de actividade.

se há sector onde as pessoas sentem a crise de valor dos bens é exactamente este.

são os leilões de casas, são casas de famílias que não as conseguiram pagar arrematadas pelos bancos a preços irrisórios – inferiores aos que as pessoas já tinham pago por elas –, são propriedades vendidas ao desbarato na tentativa de conseguir alguma liquidez.

os dois sectores que estão verdadeiramente no centro da crise são o financeiro e o imobiliário. ora fala-se muito no primeiro e muito pouco do segundo.

é preciso reabilitar os prédios urbanos e deixar de construir casas em série

justifica-se plenamente a adopção de um programa especial para o sector imobiliário e da construção.

por causa das pessoas, das empresas e das casas cujo valor, para as famílias e para a comunidade, não pode ser descurado. o mercado está ‘sem rei nem roque’ e precisa de um novo quadro jurídico e financeiro que consagre, de vez, a importância da reabilitação de edifícios.

em lisboa, por exemplo, a actual câmara diz que são os proprietários que devem reabilitar os edifícios e que a autarquia deve tratar, principalmente, da reabilitação do espaço público. por isso, rejeita as obras coercivas como instrumento de intervenção.

discordo frontalmente.

tenho concordado (ou não me tenho oposto) com a aprovação de planos de ordenamento que disciplinem o quadro jurídico de lisboa. anos e anos sem planos específicos levaram a muita desigualdade, muita especulação, muita injustiça. mas os direitos conferidos por esses planos devem ser, em muitos casos, suspensos ou secundarizados face a uma política activa de incentivo e estímulo à tal recuperação do edificado existente.

só quem não conhece a verdadeira situação das principais cidades do país, nomeadamente lisboa e porto, é que pôde ignorar, durante tanto tempo, a importância de uma nova lei do arrendamento urbano e comercial.

no governo a que presidi, em 20004-05, concretizámos o trabalho desenvolvido no governo de durão barroso para publicar, finalmente, a lei do arrendamento que o país espera há décadas. o trabalho estava em grande parte realizado – mas, last but not least, faltava concluí-lo e tomar a decisão política de assumir essa reforma e levá-la por diante.

sei que para alguns sectores convinha mais continuar todo aquele regime de compra e venda de casa com infindável crédito à habitação, com juros compensadores.

era bom para o sector financeiro e era bom para o sector da construção e actividades associadas. aqueles que, da economia, só têm a visão do lucro fácil e imediato, tinham dificuldade em perceber que os mercados livres também exigem equilíbrio. por isso, não se podia continuar a fazer construção nova em série, cada vez mais fogos, num número cada vez mais distante do número de famílias existente em portugal.

é essencial um mercado de arrendamento dinâmico e justo, ao nível das possibilidades dos cidadãos e dos agregados familiares. ao não se criar esse mercado, não são os proprietários os principais prejudicados – mas todos aqueles que não têm meios para comprar casa. ou então, quando o conseguem, não têm maneira de a pagar.

quase se pode dizer que o socialismo que existe é de ‘opereta’, absolutamente deslocado no tempo, porque à conta dos velhos clichés combate ‘fantasmas’ e não resolve os problemas dos mais necessitados. as ideologias não se actualizaram e todas precisam de o fazer. umas não têm actualização possível e já fizeram muito mal a muita gente. os pensadores, os filósofos, os economistas, os juristas, os gestores, os financeiros, as associações geradas pelos movimentos sociais mais representativos, os jornalistas, têm de encontrar novos corpos doutrinários, novos sistemas ideológicos. as ideologias têm de resolver os problemas destes tempos, e dos tempos que aí vêm – porque os que são do passado ao passado pertencem.

urge uma lei do arrendamento

julgo saber que este governo tem quase pronta uma nova lei do arrendamento. é muito importante que ela apareça.

em 2005 estava pronta, já tinha sido aprovada em conselho de ministros, tinha sido enviada para promulgação – mas, como o presidente da república de então decidiu dissolver o parlamento, não a promulgou por entender ser uma reforma muito significativa, devendo ficar para o governo seguinte. dissolveu-se a assembleia e não houve lei do arrendamento. se me permitem outro desabafo, melhor seria que tivesse sido ao contrário.

agora, já quase em 2012, sete anos depois de 2004-05, o tempo não é, obviamente, o mesmo. a situação agravou-se, há mais casas devolutas, mais prédios degradados, para além da situação que se vive no mundo. por isso, esta lei do arrendamento urbano (e julgo também do arrendamento comercial) deve vir enquadrada no tal programa específico para o sector do imobiliário e da construção.

por exemplo, tem de haver um regime jurídico especial para as famílias em situação económica difícil que não podem suportar as prestações dos empréstimos que contraíram para as suas habitações.

e normas que atendam a idêntica situação de empresas em relação aos seus escritórios e espaços comerciais.

não pode acontecer, como sucedia antes da crise, as hipotecas serem executadas ‘a seco’, quando as prestações não são pagas. nomeadamente, se estivermos a falar de primeira habitação e residência do agregado familiar.

mas também não pode acontecer, como em muitos bairros sociais de lisboa, que as rendas deixem de ser pagas e não se faça nada. passam os meses e os anos e não aparece solução para essas famílias em condições muito difíceis.

tem de se pensar, decidir, legislar para os tempos de hoje, com os problemas de hoje, com as receitas que sirvam também caminhos de futuro.