o segredo
o s cientistas também participam na busca impossível do segredo da felicidade. a universidade da virgínia tem um projecto de investigação intitulado national marriage project, que nos foi apresentado por tara parker-pope no the new york times. até agora, a intimidade sexual, o compromisso de lealdade e a comunicação entre os cônjuges pareciam ser suficientes para explicar os casamentos felizes. foi observado, no entanto, que há outra dimensão fundamental: a generosidade. não estamos a falar da generosidade material, embora ajude, mas da outra, da mais acessível à maioria, apesar de tão pouco praticada. sabemos que, na vida a dois, o mínimo obrigatório é partilhar as responsabilidades, as tarefas, sermos fiéis um ao outro. a generosidade está além disto. neste caso é definida por darmos coisas boas ao parceiro de um modo livre, espontâneo e repetido. não é a flor romântica nem o prático estender a roupa. é outra coisa. é algo mais, que não está nos livros nem aparece nos conselhos habituais. é tão extraordinário que parece que se herda. os filhos de pais com relacionamentos generosos seguem os passos dos seus progenitores. até já há cientistas israelitas à procura do gene.
proibido desistir
só os manuais de instruções são intrinsecamente úteis ou inúteis. sobre os restantes livros, da ficção científica à não ficção, é legítimo dizermos que a sua utilidade depende de quem os lê. sob a aparência de um livro útil, mudar de vida», da autoria de dalila pinto de almeida, está longe de ser um guia de preceitos para situações de mudanças procuradas ou impostas. o livro, bem escrito e sério, aparece num momento difícil para o país, em que muita gente se vê confrontada com situações de desemprego. o que está em causa é mostrar como 17 pessoas reagiram a situações de perda de emprego ou de alteração radical na sua vida. os casos apresentados são muito pessoais, no sentido em que cada pessoa reagiu à sua maneira à mudança de vida, mas em todos está presente a esperança de que acreditando nas suas próprias capacidades é possível dar a volta a situações difíceis. o conselho vem, aliás, muito bem descrito na entrevista ao consultor antónio cristovam. um caso estimulante é o de teresa lacerda, subdirectora de corporate banking do deutsche bank, que deixou de poder trabalhar na empresa porque foi mãe de trigémeos. os restantes 16 casos estão à disposição dos seus leitores.
póstumo apressado
não gosto da ideia de estarmos a usufruir do talento de quem desapareceu tragicamente cedo e ainda por cima há tão poucos meses. não gosto da fotografia de capa. não gosto do título pimba. lioness: hidden treasures, de amy winehouse, só chega até nós por causa das circunstâncias da sua morte. não é uma obra póstuma de uma autora que morreu de velha. é apressado e quer aproveitar o choque causado pelo desaparecimento da cantora. o pior do disco é a ausência da protagonista, que não poderá lucrar com o seu trabalho. o pior do disco é ser para usufruto exclusivo do público voraz. não está certo. resisti por estas razões a comprar o disco póstumo de amy winehouse. mas a curiosidade levou a melhor. além dos dois temas gravados este ano, ‘body and soul’, com tony bennett, e a versão do clássico de gerry goffin e carole king, ‘will you still love me tomorrow?’, o disco inclui uma versão fresca e alegre de ‘a girl from ipanema’. foi quando amy cantou este tema, aos 18 anos, que o produtor mark ronson percebeu que ela era uma estrela a sério. para me redimir de ter cedido à urgência do mercado, ouço os tesouros escondidos de amy winehouse todos os dias. e recomendo.
como no século xviii
parece que ainda ontem falávamos dos malefícios de estarmos tanto tempo na internet, mas entretanto passou uma década. em 2001, 16% de jovens adultos afirmavam estar na rede para passar o tempo ou à procura de coisas divertidas. agora são 81%. quanto mais estudos e mais dinheiro têm os utilizadores, mais tempo demoram à frente do ecrã sem fazer nada. as conclusões são da pew researche center, sediada em washington. o clássico ócio criativo, que é como quem diz estar a não fazer nada de produtivo ou concreto, deitado ou a passear, passou a ser um ócio cibernético tão criativo, ou não, como aquele que os filósofos estimulavam. divagar na internet é potencialmente tão útil como inútil, dependendo da pessoa que o faz. não fazer nada de especial no computador pode explicar a existência de tantos vídeos no youtube com gatinhos. pode ser igualmente um incentivo para começar a fazer melhores vídeos de gatinhos. estar à frente do ecrã deixou de ser reprovado socialmente. na verdade, passados estes dez anos, a internet está por fim instalada nosso dia-a-dia. como o café, o tabaco, o tomate e a batata faziam parte da vida das pessoas no século xviii.
meryl streep é um monstro
the iron lady, em que meryl streep faz de margaret thatcher, ainda não estreou e já está a dar muito que falar. numa entrevista que deu no directors guild theater, em nova iorque, após o visionamento do filme, a própria actriz afirmou que «o principal problema do filme é mostrar a primeira-ministra britânica como um ser humano». mesmo não concordando com nenhuma das suas ideias, streep afirmou que «todos os ossos feministas» no seu corpo vibraram por estar certa de que thatcher se fazia respeitar num mundo hostil e essencialmente masculino. mas a passagem mais estimulante da entrevista de uma das maiores actrizes do nosso tempo aconteceu quando falou sobre o sotaque britânico, que reproduz, estamos certos, na mais absoluta perfeição. já ouvimos meryl streep a falar de todas as maneiras possíveis (julia childs) em todas as línguas imaginárias (australiano). diz que é a tarefa mais fácil. basta-lhe reproduzir uma voz que conhece. admite, contudo, que o modo de falar da personagem é o mais importante. é quando capta o tom de voz, o sotaque e os modos de falar que conhece a pessoa que representa. o exercício só é fácil para actrizes de talento monstruoso.