contra a emigração
o discurso que o governo tem vindo a adoptar sobre emigração não só é desadequado à função dos que foram eleitos pelo povo para governar em seu benefício como é extremamente desmotivante. as mais recentes declarações do primeiro-ministro sobre a dificuldade de emprego dos professores de língua portuguesa, que poderiam procurar emprego no brasil ou em angola, porque aí o mercado está em expansão, terão sido bem-intencionadas da sua parte. sabemos, no entanto, que de boas intenções está o inferno cheio. o paternalismo é um vício associado ao poder. mas em democracia podemos lembrar que nenhum governo é eleito para dar conselhos. os governantes são eleitos para criar condições aos cidadãos para que possam progredir na sua vida no sítio onde nasceram, se assim o entenderem. a decisão de ficar ou sair do país, em primeira e única análise, é de cada um. se o que aflige pedro passos coelho são os custos do desemprego, então o melhor será pensar no modo como se criam as condições necessárias ao emprego. como não fui eleita para governar, sou livre de sugerir (correndo o risco de ser ridicularizada por isso) aos meus compatriotas que, se puderem, fiquem no país e lutem por ele.
‘lequiescat in pace’
e nquanto na coreia do norte o povo todo vestido de igual era reunido na via pública para carpir a morte de kim jong-il, a notícia era recebida no twitter com referências a team america: world police, da autoria dos criadores da série south park, trey parker e matt stone. num dos filmes mais originais realizados em hollywood, o ditador norte-coreano era apresentado como uma figura colérica e autoritária, bastante ridícula, que atirava os seus detractores para um tanque com tubarões. imortalizado através de uma caricatura, o ‘querido líder’ morreu de exaustão física numa viagem de comboio. isto para vermos o quão cansativo é mandar. o mau da fita sénior, que manteve o seu povo sob o jugo de uma ditadura comunista, na ignorância e na miséria, fechado sobre si mesmo e em adoração do seu kim, é sucedido pelo mau da fita júnior, kim jong-un, o terceiro dos seus filhos. o que fica do ditador é a distância que criou entre si e o mundo: uma separação imprescindível ao culto de personalidade que manteve ao longo de 17 anos. é justo que kim jong-il fique na memória colectiva como ‘o mau’ de team america. nunca ter passado de uma personagem é a sua maior punição.
não vi e adorei
quando acordei para o concerto de rihanna em portugal não havia bilhetes há mais de um mês. o despertar tardio para a realidade da presença da cantora caribenha no nosso país, em vez de me levar à pedinchice por convites de última hora (fiz uma tentativa pequenina, pronto), levou-me ao youtube. ao mesmo tempo que ouvia o egocêntrico ‘only girl (in the world’, aproveitava para ler no el país aquilo que estava prestes a perder. antes de vir cantar a lisboa, rihanna encantara madrid num espectáculo em que «não quisera educar o ouvido» do público, tendo optado por lhe «estimular as pupilas». a atracção obtida através de um forte estímulo visual não é novidade em megaconcertos das grandes estrelas pop. basta pensarmos em madonna durante toda a sua carreira ou em britney spears há 15 anos. não admira por isso que tenha dançado de biquíni, que tenha dançado e pulado em palco acompanhada dos melhores bailarinos, que tenha cantado em cima de um piano ou aparecido num tanque rosa choque. a pergunta era se rihanna, além de talentosa, era profissional. à excepção da luta de almofadas a baralhar o tema ‘s&m’, diria que para a próxima fico logo na primeira fila.
problemas de mortalidade
segundo jorge luis borges, se fôssemos imortais acabaríamos por escrever a odisseia ou a ilíada. contra nós temos, não a falta de talento para produzir obras grandiosas, mas uma incomensurável falta de tempo. assistindo aos dois primeiros episódios da série new amsterdam, cedida pelo canal mov, percebi que borges, no seu solipsismo, se esqueceu de um pormenor no seu plano de imortalidade: os filhos. escreveríamos obras grandiosas e teríamos filhos e netos e bisnetos que veríamos crescer e morrer antes de nós. é o que acontece a john amsterdam, detective da polícia de nova iorque, que morreu há 400 anos, quando era um soldado holandês em nova amesterdão. john morre ao salvar uma rapariga índia da morte certa, mas ela cura-lhe a ferida e promete-lhe que não envelhecerá nem morrerá até encontrar o amor da sua vida. john tem o aspecto de um homem de 35 anos. há 15.965 dias que não bebe álcool, teve 609 namoradas e vai no 36.º cão, a que chama, convenientemente, 36. apesar das mulheres que foi amando, ainda não encontrou aquela que o matará. a possibilidade que new amsterdam apresenta é a de que o par certo existe. o problema é a mortalidade.
abuso ignorado
o estudo sobre stalking em portugal, coordenado por marlene matos, veio chamar a atenção sobre mais uma realidade que corrói a vida das pessoas, mas que passa despercebida à maioria, além de estar completamente omissa no código penal. é o primeiro do género no nosso país e foi apresentado por ocasião do dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres. mas o stalking não é exclusivo do terreno dito amoroso. acontece com os fãs que fanaticamente tentam a aproximação aos seus ídolos. ainda há pouco soubemos do caso de antónio manuel ribeiro, dos uhf, acossado por uma mulher que acabou condenada por dois crimes de ameaça agravada, dois crimes de perturbação da vida privada e um crime de injúria. foi a forma de a condenarem por assédio persistente. o mesmo pode acontecer a qualquer cidadão que tenha um site com uma morada de correio electrónico visível. o cyberstalking é um problema real nos dias que correm. devia haver uma solução para estes casos que não passasse por enviar as mensagens para o spam… durante anos. há pessoas que andam anos, sim, a incomodar o próximo porque se acham no direito de o fazer. e não têm.