continuando para sul, deixamos o mar aberto e entramos na barra do mussulo. esta longa língua de areia é o lugar do fim-de-semana dos angolanos afortunados, está cheia de casas – grandes, médias, pequenas – em estilos e gostos diversos, com ou sem ancoradouros.
cheguei a luanda pela primeira vez, num avião militar, há quase 40 anos, nos tempos do fim do império português. era uma cidade cheia de força que respirava prosperidade e esperança. uma cidade que de dia se devia ver de terra para o mar e à noite do mar para a terra. continua assim.
não vinha a angola desde julho de 2010 e dessa vez andei pelo interior, por malange, pelas lundas, descendo até luena. agora estive uma semana inteira em luanda. falei com muita gente – governantes, oposicionistas, militares, religiosos, diplomatas, empresários e amigos portugueses. e vivi uma semana na cidade, hospedado no hotel presidente, que levou uma boa volta.
da cobertura da torre da escom há uma visão única: a baía, com as obras do aterro; os barcos – muitos – que esperam vez para entrar no porto; as escavações no largo do kinaxixi; os bairros que cercam a cidade velha; os estaleiros por todo o lado; os contrastes dos prédios e do mar azul.
as obras públicas estão em força no centro e nos subúrbios, desde os empreendimentos de luxo de talatona às vias rápidas que levam a viana onde há urbanizações que nascem de repente e lembram alphaville. embora haja muito por fazer, como nos damos conta na estrada da cuca, um caos luandense típico, com buracos, engarrafamentos, lixo, carros, carrinhas, comércios, pó. e gente, muita gente.
a ilha, que (aprendi na gloriosa família) é importantíssima na história de angola é outro lugar canónico. sou do tempo (há 15 anos, quando aqui voltei) em que na cidade havia dois hotéis e seis restaurantes possíveis. numa semana corríamos todas estas capelas. agora multiplicaram-se: o coconuts, o caribe, o chill out. mais o cais quatro e um restaurante chinês onde almoço com um velho amigo.
o ondah é outro restaurante in, com personalidades locais, mulheres bonitas, pessoal um bocadinho snob. jantamos lá com um grupo de jovens expatriados portugueses, bem integrados aqui, como mais cem mil dos nossos compatriotas.
e o futuro? 2012 é ano de eleições, o petróleo deve render umas dezenas de biliões de dólares e o crescimento económico voltar aos dois dígitos. sem entrar nos detalhes, é bom sublinhar alguns aspectos de angola que são essenciais e que às vezes se esquecem: angola é o único país africano importante que tem uma comunidade euro-africana, no caso luso-angolana, com massa crítica e papel activo muito significativo na vida política e social.
a guerra civil trouxe muitos males, mas teve benefícios colaterais: destribalizou, misturou, urbanizou, recriou e reforçou uma identidade nacional. e também vacinou e dissuadiu em relação a repetições.
hoje, há uma mentalidade crítica, nas elites e no povo comum, mas sente-se que todos se habituaram a viver e conflituar politicamente, excluindo prima facie a confrontação das armas. e também não se vê medo nas pessoas, nem nos de cima, nem nos de baixo.
acabo a semana na missa de domingo, na sagrada família, em alvalade. antes foi rezado o terço. tudo lembra uma paróquia portuguesa dos anos sessenta – os cânticos, as jaculatórias, a homília, a igreja cheia.
mas há poucos brancos. há mais nos restaurantes e nas praias. dantes, fomos nós os evangelizadores. hoje, são os angolanos a evangelizar-nos a nós, a avaliar pela minha paróquia do campo grande.
misteriosos os caminhos do senhor…