Os BRIC preparam-se para liderar o mundo

É um grande sinal de mudança dos tempos a chegada do capital chinês às praças fortes da economia europeia.

refiro-me, nomeadamente, à tomada de posições accionistas em sectores e empresas estratégicos de diferentes países da europa.

a chegada do capitalismo financeiro da china foi antecedida pela chegada dos seus contingentes comerciais. quer pela concorrência em sectores inteiros de produção, como os têxteis, quer pela disseminação das chamadas lojas chinesas, um pouco por toda a parte.

em portugal, em concreto, sentiram-se os dois fenómenos. mas agora os chineses querem passar a um patamar diferente, como o prova a corrida à privatização da edp com uma proposta de quase três mil milhões de euros.

tudo isto acontece numa altura em que a china começa a ocupar uma posição cimeira no ranking das potências mundiais – e dentro de algum tempo tornar-se-á, seguramente, a maior potência do mundo, ultrapassando os estados unidos da américa.

como referi, é sinal de que estamos a passar para uma nova idade. a liderança do mundo ocidental – estados unidos e europa – irá ser, cada vez mais, substituída pela liderança dos chamados bric, uns mais inseridos na nossa civilização, outros muito (ou totalmente) distantes dela.

a china, a índia, o brasil e mesmo a rússia têm unidade política e, ao mesmo tempo, uma só moeda.

há problemas internos nalguns desses paíse e, num caso ou noutro, há movimentos autonómicos ou mesmo independentistas. há também algumas situações de diferenças religiosas, culturais e étnicas. mas, no essencial, estamos perante estados soberanos.

são eles – juntamente com os estados unidos (e mais um ou dois países africanos e talvez outro país asiático) – que irão ser os líderes mundiais nas próximas décadas.

também por isso se trabalha há tanto tempo na reformulação do conselho de segurança da onu e na recomposição dos seus membros permanentes.

como se sabe, a actual composição ainda traduz o resultado da ii guerra mundial. isto não faz qualquer sentido – mas é outro sinal de como o mundo adormeceu nas suas organizações mais importantes, enquanto os indivíduos e as empresas promoviam e desenvolviam fantásticas revoluções tecnológicas.

não é este o caminho do federalismo

estamos num tempo muito complicado, porque quando existem muitos desajustamentos começa a haver perigos para a paz.

nós, europeus, conhecemos a guerra – mas desde há muito só em outros teatros de operações que não o território do continente ou as regiões autónomas de portugal.

mas o velho continente, nomeadamente na europa central, sabe bem que a história tanto é feita de paz como de guerra.

a diferença, desta vez, é que não se vê o que poderia alguém ganhar com um conflito bélico. não há questões territoriais, não há confrontos com raiz histórica, de cariz religioso ou outros dos que costumam estar na origem desses tristes acontecimentos.

há ricos e pobres? claro que sim. há países poderosos e outros mais fracos? é verdade. mas todos têm querido partilhar um projecto comum porque sabem que essa é uma condição importante para poderem competir com as novas economias liderantes.

o que existe na europa não é divisão sobre questões de honra mas antes divergência sobre o modo de resolver problemas financeiros e económicos que a todos tocam e a todos afligem.

a alemanha e a grécia – apesar da diferença de poderio – são (e podem ser ainda mais) ambas vítimas de uma crise do euro.

o problema na união europeia está no facto de haver uma série de questões políticas para resolver em organizações que têm uma moeda comum mas não têm um só governo. os bric têm, cada um deles, uma moeda e um só governo com poder nos respectivos territórios. na europa, repito – na zona euro –, há uma só moeda mas há 17 governos.

agora pretende-se um governo económico centralizado. mas esse caminho não é próprio do federalismo. nos estados federais, o que é comum é exactamente a moeda, mais a política externa e a política de defesa.

existe um orçamento da união, mas o governo económico federal não se reduz a uma instância, mais ou menos judicial, situada na capital da união, destinada a avaliar, a fiscalizar ou a castigar as políticas orçamentais dos estados federados.

pode ser que se consiga, mais uma vez, ser original. mas sem tratar da política fiscal (e, portanto, das receitas da união) e da dívida de todos os estados, como pode haver um projecto comum?

os outros federalismos construíram-se com base em causas, em valores, na vontade de independência, na luta pela liberdade, na luta por uma identidade. esta europa quer salvar-se com base num estado de necessidade, e pouco mais do que isso.

privatizações têm dimensão política

é isto que a europa tem de decidir. mas se este projecto europeu falhar, se o euro se desagregar, é preciso inventar um qualquer novo esquema de as economias destes diferentes países serem competitivas no contexto económico global.

por ironia do destino, 500 anos depois a união europeia falha nos lugares onde feitorias da flandres prosperaram. transacionavam os produtos vindos das terras que haveriam de tornar-se, séculos mais tarde, países grandes e poderosos – que nos dias de hoje disputam as maiores empresas dos países colonizadores!

num mundo e num país que gostam tanto de falar de ‘novos paradigmas’, aí está um que nos vai dar muito trabalho.

tudo isto também está em cima da mesa nas decisões que têm de ser tomadas a propósito das privatizações de grandes empresas portuguesas.

essa venda de capital de cada uma delas (e do seu conjunto) configura um capítulo crucial da política externa portuguesa.

propostas do brasil, da china, da alemanha, no que respeita à edp, têm, todas elas, muitas vantagens e alguns inconvenientes.

o conjunto de decisões para as várias empresas é uma constelação que influenciará bastante o futuro de portugal nos próximos tempos.

estou certo de que esta realidade substancial estará presente nos decisores. são importantes os preços, as parcerias, as contrapartidas, as garantias, tudo o que envolve uma análise económica e financeira. mas, obviamente, existe aqui essa outra dimensão que não pode ser escamoteada: a da estratégia da política externa nacional.

p.s. – para falar num tema completamente diferente, deve ser assinalada a transição de poder na federação portuguesa de futebol. essa mudança verifica-se entre duas pessoas de características naturalmente distintas entre si. entra um homem com competência respeitada, ponderado e que tem pautado o seu exercício de funções profissionais pela discrição. sai gilberto madaíl, com uma maneira de ser, talvez, menos contida, envolvido ao longo dos anos em várias polémicas – como acontece a quem exerce o poder, seja a que nível for. mas neste momento em que cessa funções, cumpre reconhecer que sob a sua responsabilidade o futebol português conseguiu muito bons resultados, nomeadamente ao nível de selecções. basta lembrar que portugal está nos lugares cimeiros dos rankings há uns bons anos. e uma parte desses resultados deve-se ao trabalho de gilberto madaíl.