2011
o ano que chega ao fim amanhã foi caracterizado pela perda: de qualidade de vida, de liberdade e soberania, de certezas sobre o futuro próximo (isto para os sortudos ou os irresponsáveis que as tinham). empresas faliram, milhares de pessoas perderam o emprego, famílias inteiras emigraram. a perda foi justificada com a necessidade de o país honrar os seus compromissos e com a desconfiança de que portugal poderia não ser capaz de o fazer. foi então que a troika chegou com as suas tranches de milhares de milhões para pagar salários (segundo teixeira dos santos, havia dinheiro até junho) e um plano de austeridade debaixo do braço: um plano que nos obriga a perder antes de podermos ganhar, a emagrecer antes de engordar, a passar frio para ver se nos habituamos à temperatura germânica. mas no resto do mundo, nem sempre a falta foi negativa ao ponto de ser considerada uma perda. pensemos em kim jong-il, em kadhafi e bin laden. e em berlusconi ou no emigrado sócrates, que paris o tenha. desaparecidos em combate (alguns literalmente), nenhum deixa saudades. chegamos a 2011 com a promessa de que 2012 será pior. resta imaginar o que o futuro nos reserva.
2012
o ano anunciado por pedro passos coelho como sendo «o mais determinante» é-lhe astrologicamente favorável. em fevereiro, com a chegada do novo ano, apesar de não ter a sorte de ser um dragão de água (o mais sedutor e estimulante dos dragões), o primeiro-dragão português é visto pelos olhos dos chineses como um bom presságio para o investimento no nosso país. a língua mais procurada nas escolas é o mandarim, e os pais exigem que os filhos a aprendam de pequeninos. a pensar no presente, nuno crato elabora uma reestruturação curricular que prevê o ensino do mandarim na escola pública, a par do inglês e do alemão. boas notícias para os professores de português de malas feitas para os confins do nordeste brasileiro. a entrada dos chineses no nosso país é o nicho de mercado por que ansiavam. começou tudo com a dificuldade de os chineses dizerem ren, que os obrigou a fazer cursos intensivos de pronúncia dos erres. habilidosos e criativos, os professores elaboraram um método de ensino da pronúncia com pedras na boca, à boa maneira de demóstenes, que acabou de vez com aquele len que ninguém percebia. foram condecorados nesse mesmo ano por cavaco silva.
2013
pedro passos coelho anunciou com pouca originalidade que 2013 ia ser «ainda mais determinante» do que 2012 e, mais uma vez, disse a verdade. foi o ano que determinou o fim da ajuda externa e do plano de austeridade. cheiinhos de fome e frio, lá voltámos aos mercados, mas a ausência da ‘troika’ mergulhou o país numa depressão. o povo português sentia falta do pai e da mãe e do irmão mais velho em que tinha reconhecido o trio só detestado por quem não tem paciência para a família. com a falta ‘troikista’ veio a desorientação e as dívidas nas farmácias portuguesas. os euros estafados em antidepressivos de marca branca davam nota da falta que fazia o sr. thomson, conhecido lá de casa. o que havíamos de fazer sem ninguém para nos indicar o caminho? foi então que percebemos que havia vítor gaspar. tínhamo-lo ouvido sussurrar durante dois anos, mas agora que sabia mandarim (que aprendera em tempo recorde, pois era o mais inteligente), adquirira uma confiança que o colocava no lugar de orientador do povo para os anos que se seguiriam. apesar dos ciúmes dragonianos, passos coelho deixou o ministro das finanças tomar as rédeas da liderança. e gaspar tomou. e taxou e taxou.
2014
portugal está no bom caminho, mas os portugueses revelam um optimismo moderado. apesar dos resmungos, os lisboetas aceitaram pagar portagens nas grandes avenidas da cidade. tudo em benefício da pátria. a avenida da liberdade ficou mais liberta de carros e os peões atravessam nas passadeiras sem olhar. mas na avenida da república não se sente tanto a diferença. por outro lado, o tráfego lisboeta apresenta sinais de prosperidade. só circulam carros de alta cilindrada, na maior parte descapotáveis. no chiado, há parquímetros que aceitam o pagamento com cartão de crédito. em oeiras, o povo está maravilhado e em festa. depois do quingentésimo nono recurso apresentado pelos advogados de isaltino morais, o juiz declarou a prescrição de todos os delitos e acusações contra o popular autarca. o belém hilton palace hotel foi inaugurado. depois do são bento residential inn, portugal tem mais dois hotéis de categoria internacional. finalmente, os dois grandes golfistas portugueses e os 300 oriundos de outros países, que participam no monsanto world cup, transmitido em exclusivo pela sic, têm um hotel à altura do fabuloso campo de golfe situado no pulmão de lisboa.
2015
em ano de eleições, portugal vibra de emoção. os 500 mil portugueses que ficaram no país estão felizes. as leis laborais são iguais para todos os trabalhadores. estamos todos a recibo verde. foi comovente ver o presidente da república a preencher o seu primeiro recibo numa cerimónia solene. mais aborrecido foi ver os membros do governo e os deputados da assembleia da república a fazer o mesmo. os departamentos de pediatria e obstetrícia do hospital ricardo salgado, ex-santa maria, e do hospital américo amorim, ex-são josé, assinaram um acordo de colaboração. os 48 partos anuais já não vão ser motivo de discórdia entre as instituições. os nativos de carneiro, touro, gémeos, leão, virgem e primeiro decanato e meio de balança nascem no primeiro. os restantes seguem para o segundo. os peões portugueses também têm motivo para sorrir. atravessar na passadeira só vai custar dez cêntimos. mas para o centro de lisboa, más notícias: vai continuar a custar 20. por causa do êxito da política de austeridade, os semáforos voltam a acender no amarelo, banido em 2013 para poupar energia. e assim acabam os momentos de obscuridade e incerteza entre o verde e o encarnado.