essa matéria está em cima da mesa e ninguém a pode ignorar. é evidente que muito vai ser feito para evitar essa desagregação. mas o principal – as medidas para promover a convergência entre as economias – está ainda arredado das reuniões e das decisões na zona euro.
hoje em dia, muitos começarão a estar conscientes do erro básico que foi cometido. gostava, aliás, que os responsáveis pela criação de uma moeda única para economias tão diferentes expusessem as razões dessa decisão. acreditariam que a própria criação de moeda, e o facto de os tratados falarem em coesão económica e social, com os inerentes fundos estruturais, chegariam para evitar um descalabro como o que está a suceder?
não falo aqui de culpas pessoais. falo de um enorme erro colectivo, com enormes consequências históricas. e é muito importante que se saiba como foi, até para evitar que aconteçam decisões semelhantes nos tempos presentes e futuros.
os líderes europeus e mundiais vão ser chamados a decidir em questões essenciais e convém que tenham presente a história dos caminhos que nos conduziram à presente situação.
ninguém deve espantar – se que grandes empresas já tenham encomendado estudos sobre as consequências da saída do euro. em portugal e noutros países. aliás, a mais elementar prudência assim o recomenda.
lemos, recorrentemente, opiniões (por exemplo, de joão ferreira do amaral, que foi conselheiro económico no palácio de belém quando aderimos ao euro) dissertando sobre os termos em que deveria processar-se a saída da moeda única.
esta semana terá dito que só numa fase de estabilidade é que isso poderá acontecer. aí tenho as maiores dúvidas: se a situação estabilizasse, todos iriam considerar ultrapassados os momentos mais difíceis e quereriam usufruir das vantagens dessas marés tranquilas.
decisões de ruptura – como seria, ou será, a saída do euro de um ou mais países – não se tomam em tempos de acalmia.
a europa está colocada perante grandes desafios, e os ajustamentos para a competitividade que vai ter de atravessar serão muito árduos.
temos de encarar a saída do euro
enquanto escrevo este artigo, leio que a adidas – marca líder em equipamentos desportivos – está preparada para o regresso às moedas nacionais.
e na mesma coluna das notícias do dia aparece, de novo, ferreira do amaral dizendo que, se tivéssemos moeda própria, certamente a nissan não teria suspendido o seu investimento em aveiro. e acrescenta que isso nos permitiria reorientar o nosso aparelho produtivo, até por voltarmos a ter poder de decisão quanto ao valor da nossa moeda.
trata-se, obviamente, de matéria muito complexa – e ninguém ficará contente por perder as vantagens de termos a mesma moeda que muitos países poderosos da europa.
além disso, sair da moeda única representaria, de algum modo, um retrocesso e traria uma forte sensação de tempo perdido. quem viveu os momentos da adesão ao euro, como eu vivi, lembra-se bem do sentimento de orgulho que invadiu a alma nacional. e certamente que essa exaltação colectiva não aconteceu só em portugal.
o euro foi uma das grandes bandeiras da união europeia, e mesmo alguns dos países-membros que não pertencem à zona euro reconhecem que foi, e é, uma grande proeza (a great achievement).
mexeu muito com a organização monetária mundial, abalou a liderança do dólar – e, por isso mesmo, o seu enfraquecimento (ou desaparecimento) é muito desejado noutras partes do mundo, algumas bem próximas.
só que não pode ser a consciência desses argumentos contrários a impedir que se corrija um grave erro que pode ter sido responsável por muitos prejuízos das economias deste antigo e velho continente.
o euro não vai continuar como está
em 2012, para lá da decisão sobre o euro, terá lugar o euro em futebol, na polónia e na ucrânia. falo desse acontecimento, não para dispersar de temas ‘pesados’, mas para ilustrar como é a dinâmica da história.
na verdade, se alguém dissesse há 30 anos que iria ter lugar um campeonato da europa de futebol numa polónia já membro das ex–comunidades europeias, e numa ucrânia já estado independente, desligada da rússia, ninguém acreditaria.
recordo-me de ter estado, poucos anos antes da queda do muro de berlim, em 1989, num seminário na universidade de georgetown – o worldleadership seminar – e de ter ouvido previsões sobre a evolução das relações de força na comunidade internacional, e de quanto me pareceu estar a ouvir cenários delirantes.
recordo-me do espanto que causou em mim e nos outros convidados ouvir dizer que, em breve, estados unidos e rússia poderiam ser aliados em várias matérias.
o mundo é assim e a história, como ciência, ensina-nos essa constante mutabilidade.
aqueles que governam só ganham em estudar muito essa disciplina. entenderão rapidamente – se ainda tiverem dúvidas – que nenhuma construção humana é muito duradoura. nomeadamente são efémeras as organizações políticas internacionais. duradoiras são as organizações nacionais soberanas – como têm sido os estados. mas mesmo esses encontram-se em mutação.
tudo o que escrevo esta semana significa que desejo que portugal e outros países saiam do euro?
não tenho preconceitos e sei que não há dogmas. nem sequer sobre o que é ‘má’ ou ‘boa moeda’. quero o que for melhor para portugal – e, se possível, para nós, europeus. como os tempos mais recentes têm provado, nós, portugueses, é que temos de olhar por nós próprios.
uma coisa é certa: algo de profundo vai mudar na construção monetária da zona euro. estou convencido de que, pelo menos, passará a existir um euro a duas velocidades. e considero possível a saída do euro de um ou mais países em 2012.
o euro não pode continuar como está nem como é. se foi motivo de orgulho e cantado com o hino da alegria, foi, também, causa de muitas tristezas e muitas dificuldades.
há muito para mudar.